Beatriz Bandeira de Mello Revisado por: Isabella Teles e Laura Mello
Uma das etapas mais importantes de qualquer pesquisa científica é a coleta de dados. Para fazermos uma boa investigação, precisamos sustentar nossos argumentos em informações confiáveis e, sempre que possível, dados produzidos por instituições renomadas, sejam elas públicas ou privadas. Uma boa contextualização histórica, por exemplo, nos permite entender como passado, presente e futuro estão conectados e a forma como os eventos se desdobram ao longo do tempo. Estatísticas por vezes traduzem em números aquilo que não conseguimos descrever em palavras. Seja como for, o pesquisador ou a pesquisadora sempre deve prezar pela clareza e qualidade das informações que apresenta.
Pensando nisso, como a recente visita do BTS à Casa Branca pode nos ajudar? O Painel Como Fazer te explica. Vamos, primeiramente, ao contexto da visita: a viagem do Bangtan à Washington fez parte do encerramento do Mês da Herança Cultural dos Asiáticos-americanos, Nativos Havaianos ou das Ilhas do Pacífico (AANHPI, na sigla em inglês). Conforme vimos na thread publicada pelo BAA, a visita não só promoveu a visibilidade das comunidades asiáticas e das ilhas do Pacífico, como marcou as diferenças existentes entre as vivências de cada um dos grupos representados.
Durante a coletiva de imprensa, os sete membros do BTS discursaram sobre as razões de terem comparecido ao evento. De modo complementar, Kim Namjoon, Kim Seokjin, Min Yoongi, Jung Hoseok, Park Jimin, Kim Taehyung e Jeon Jungkook declararam suas posições em relação os crimes de ódio cometidos contra a população asiática e por sua inclusão, diversidade e representatividade. Para introduzir a importância da pesquisa e da coleta de dados para os nossos leitores e leitoras, o Painel Como Fazer esmiuçou e analisou o conteúdo do discurso dos membros e as principais ideias mobilizadas por eles. Com isso, podemos conectá-las com dados que complementam os temas centrais que foram abordados. Vejamos a seguir:
O DISCURSO DO BANGTAN
Hoje é o último dia do Mês do Patrimônio AANHPI. Nós nos juntamos à Casa Branca para ficar com a comunidade da AANHPI e comemorar
Jin
Como dito anteriormente, o contexto é parte fundamental das pesquisas acadêmicas. Por isso, conhecer a origem dos fatos, suas conexões com momentos históricos, sociais e políticos faz parte do processo de investigação. Muitos podem pensar que esse tipo de contextualização é restrita a certas áreas do conhecimento como a História, Sociologia, Geografia, Antropologia, Relações Internacionais ou Ciência Política. Mas como nas Artes e nas ciências exatas ou da natureza, as ideias que movem as descobertas científicas estão intimamente ligadas aos contextos em que foram produzidas.
Na primeira parte do discurso, feita por Jin, somos apresentados ao motivo da visita: o Mês da Herança dos Americanos Asiáticos e das Ilhas do Pacífico. Embora o tema seja central nos dias atuais – devido ao aumento de ataques à comunidade durante a pandemia da COVID-19 -, a origem da celebração remonta ao ano de 1977 quando o então deputado Frank Horton apresentou a Resolução Conjunta 540 na Câmara. Esta iniciativa foi o pontapé inicial para que outras ações fossem realizadas nos anos seguintes: a Resolução Conjunta 72 do Senado, do senador de ascendência japonesa Daniel Inouye (1977) e a Resolução Conjunta 1007 da Câmara (1979), também do deputado Frank Horton, que foi aprovada pelo presidente Jimmy Carter no mesmo ano, posteriormente transformada na Lei Pública 95-419.
Porém, somente em 1990, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei Pública 101-283 que estendeu as comemorações para todo o mês de maio daquele ano. Finalmente, em 1992, o Congresso designou anualmente o mês de maio como o Mês da Herança dos Americanos Asiáticos e das Ilhas do Pacífico. A escolha desse mês, como já vimos, foi devido à imigração dos primeiros japoneses para os Estados Unidos, em 7 de maio de 1843, e a memória do aniversário da conclusão da Ferrovia Transcontinental, em 10 de maio de 1869, da qual participaram trabalhadores imigrantes chineses.
A importância da comemoração, portanto, não se limita à atualidade. Fica a pergunta: como pesquisador(a), onde eu posso encontrar esse tipo de informação? Além dos meios de comunicação tradicionais (por exemplo, jornais e canais de TV), podemos recorrer aos sites oficiais dos governos, arquivos históricos, bibliotecas e, claro, a materiais bibliográficos que discutem o tema, como livros, artigos ou relatórios de pesquisa. O site oficial do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, por exemplo, tem uma seção específica que trata da Iniciativa da Casa Branca sobre americanos asiáticos, havaianos nativos e ilhéus do Pacífico (WHIAANHPI, na sigla em inglês) com conteúdo sobre programas, serviços e legislação. Já o endereço do Asian Pacific American Heritage Month mostra algumas das contribuições das comunidades para a história dos EUA, principalmente no que diz respeito a aportes culturais.
Como escreve Robert Yin (2016), é importante adequar a fonte ao tipo de conteúdo que o pesquisador ou pesquisadora deseja produzir, aliado ao tema de estudo e ao objeto de pesquisa. Além disso, o pesquisador deve ter em mente a variedade de fontes disponíveis e o modo como isso influencia a coleta de dados. Relatórios de governo, por exemplo, apesar de vastos, podem excluir ou omitir informações indesejáveis. Logo, é interessante complementar a informação com dados de outras fontes para produzir argumentos consistentes.
Ficamos devastados com a recente onda de crimes de ódio, incluindo crimes de ódio asiático-americanos. Para acabar com isso e apoiar a causa, gostaríamos de aproveitar esta oportunidade para nos expressarmos mais uma vez
Jimin
Como já citado, as informações publicadas em jornais e relatórios são boas fontes de pesquisa. Partindo do trecho destacado, encontramos uma matéria publicada pelo jornal britânico The Guardian que mostrou que os crimes contra asiáticos-americanos aumentaram mais de 300% no ano passado. De modo mais específico, um relatório produzido pelo movimento Stop AAPI Hate indicou que, entre março de 2020 e dezembro de 2021, um total de 10,905 incidentes de ódio contra pessoas asiáticas americanas e das ilhas do Pacífico (AAPI) foram reportados. Dentre eles, 4632 casos ocorreram em 2020 (42,5%) e 6273 ocorreram em 2021 (57,5%). Como podemos perceber, esse tipo de informação é fundamental para que possamos embasar nossos argumentos ou montar tabelas e gráficos que complementam nosso trabalho de pesquisa.
Além disso, os dados nos ajudam a construir uma percepção mais detalhada sobre os tipos de crimes mais cometidos, por exemplo: entre os relatos, o assédio verbal representa a maior parte dos casos (63%). A agressão física é o segundo tipo de crime mais praticado (16,2%), seguido pela evasão deliberada — rejeição à AAPIs (16,1%). O relatório também mostra onde os incidentes acontecem. Praticamente metade dos crimes de ódio (48,7%) ocorreu em espaços públicos – vias (31,2%), transporte (8,4%) e parques (8,0%). Ou seja, podemos inferir, a partir dos dados, que a comunidade asiática nos Estados Unidos é altamente vulnerável.
O relatório também sugere um recorte de gênero. Segundo o Stop AAPI Hate, as mulheres continuam sendo as mais afetadas por estes crimes; 61,8% dos relatos são feitos por elas. Além disso, o documento mostra que violações de direitos civis como, por exemplo, discriminações no local de trabalho, recusa de serviço, impedimento de transporte e discriminação relacionada à moradia, representam 11,5% do total de incidentes. Por fim, podemos também identificar a incidência por população e, com isso, discorrer sobre os motivos que levam a estes crimes. Os grupos étnicos mais afetados são os chineses-americanos (42,8%), seguidos pelos coreanos (16,1%), filipinos (8,9%), japoneses (8,2%) e vietnamitas (8,0%). Isso deixa claro que os ataques xenofóbicos aos chineses, as fake news sugerindo uma conexão entre a COVID-19 e os hábitos alimentares da população e os ataques políticos, verbalizados inclusive pelo ex-presidente Donald Trump, surtiram um efeito negativo sobre a comunidade sino-americana.
Como podemos observar, a coleta, sistematização e o uso de dados contribuem para o desenvolvimento de pesquisas mais consistentes e embasadas. Melhor ainda quando temos a teoria para nos guiar. Fazendo uso desses dados podemos confirmar, negar ou mesmo detalhar nossos argumentos com mais propriedade, evitando alguns erros comuns como: a ausência de fontes ou a inconsistência dos dados. Em uma era de fake news devemos trabalhar para que nossas pesquisas contribuam para um debate sólido e fundamentado sobre os temas que nos propomos a pesquisar. E, nesse caso, o bom uso dos dados qualitativos e quantitativos fazem toda a diferença.
Estamos aqui hoje graças aos nossos ARMYs – nossos fãs em todo o mundo, que têm diferentes nacionalidades e culturas e usam idiomas diferentes. Estamos verdadeiramente e sempre gratos
J-Hope
Ainda nos sentimos surpresos que a música criada por artistas sul-coreanos alcance tantas pessoas ao redor do mundo, transcendendo idiomas e barreiras culturais. Acreditamos que a música é sempre um unificador incrível e maravilhoso de todas as coisas
Jungkook
A questão da representatividade foi levantada por J-hope e Jungkook, certo? Mas como podemos medi-la? Dados produzidos por instituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), por exemplo, nos ajudam a mapear o perfil da população brasileira e fazer leituras sobre indicadores sociais e econômicos. No nosso universo, a pesquisa BTS ARMY CENSUS fez algo semelhante. O BAA já citou a importância do Army Census para a produção de pesquisas acadêmicas, vale a pena conferir!
Essa pesquisa contou com a participação de 402.881 fãs do grupo. Embora esse número não represente a comunidade de fãs em sua totalidade, ele já nos oferece um bom parâmetro de análise. No que tange à distribuição geográfica, os dados divulgados em 2020 mostram que o fandom conta com membros em mais de 100 países ao redor do mundo. Além disso, a pesquisa foi traduzida para 46 línguas diferentes. É perceptível, então, que as ARMYs estão espalhadas pelo globo – desde a Ásia, em países como Indonésia e Filipinas, passando por Oceania, Europa, África e chegando até as Américas. Não à toa o BTS foi escolhido para dar visibilidade a uma causa tão diversa, apostando na transnacionalidade do fandom. De modo similar, o survey, ou pesquisa de levantamento, é uma ferramenta bastante utilizada para coletar esse tipo de informação. Ele consiste em uma série de entrevistas diretas ou indiretas que tem por objetivo mapear características específicas sobre um determinado público-alvo. Esse tipo de método é bastante comum em pesquisas eleitorais, por exemplo.
Outra forma de medir a diversidade do fandom é analisar o tamanho do impacto produzido nas redes sociais e a difusão das informações geradas após a visita à Casa Branca. Assim, o “efeito BTS” pode ser medido por outros meios. Nas 24 horas após o evento em Washington, segundo a ferramenta Google Trends, a busca por “BTS” associada a palavras-chave como “briefing”, “coletiva de imprensa”, “asiáticos-americanos”, “Casa Branca” e “Joe Biden” apresentou um crescimento significativo. De modo complementar, os dez países que mais buscaram o nome do grupo no Google, dentro do período selecionado, foram: Japão, México, França, Tailândia, Peru, Argentina, Brasil, Vietnã, Turquia e Taiwan. Assim, os dados produzidos pelo ARMY Census provam-se no cotidiano.
Não é errado ser diferente. Acho que a igualdade começa quando nos abrimos e abraçamos todas as nossas diferenças
SUGA
Todo mundo tem sua própria história. Esperamos que hoje seja um passo à frente para respeitar e entender cada um como uma pessoa valiosa
V
Aqui, mais uma vez, somos levados a refletir sobre a importância de situarmos nossos temas e objetos de pesquisa no tempo e no espaço. Como sabemos, a influência do BTS sobre a juventude não é recente, mas uma característica inerente à própria trajetória artística do grupo. Em 2020, os membros participaram, ao lado do ex-presidente sul-coreano Moon Jae-in, do Dia Nacional da Juventude da Coréia do Sul e, em suas recentes participações nas Nações Unidas (2020 e 2021) discursaram sobre a diversidade, as dificuldades enfrentadas pelos jovens durante a pandemia e o cenário de esperança no pós-COVID. No ano passado, eles se tornaram Enviados Especiais da Presidência para as Gerações Futuras e Cultura, antes de participarem do SDG Moment durante a 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU).
O pronunciamento realizado na Casa Branca dialoga com muitos pontos, mas principalmente com o papel que o BTS vem exercendo, desde 2018, como liderança junto ao Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) através da Campanha Love Myself, promovendo o diálogo, o autocuidado, o respeito e a valorização das diferenças. Essa campanha, por outro lado, enfatiza a proximidade entre o trabalho desenvolvido pelo grupo e a expansão da Hallyu não só como um fenômeno cultural e artístico, mas como um braço da diplomacia pública sul-coreana. Portanto, esse não é apenas um traço cultural, mas também um evento político relacionado à identidade nacional, à projeção internacional e aos interesses da Coreia do Sul em curto, médio e longo prazo.
Neste caso, conceitos como diplomacia, política externa, relações públicas, orientalismo, multiculturalidade, transnacionalismo e soft power nos ajudam a compreender o papel desempenhado pelo BTS em eventos como este da Casa Branca. Uma boa base teórica nos permite avaliar e analisar fenômenos com maior profundidade, a partir de conceitos chave e categorias que definem e mapeiam a complexidade de certos eventos. Plataformas como o Google Acadêmico, o Periódicos CAPES e o SciELO reúnem diversas publicações científicas sobre estes e outros temas – o que nos ajuda a iniciar uma boa revisão bibliográfica. Além disso, grupos de pesquisa espalhados por diversas universidades do Brasil também produzem inúmeros trabalhos sobre Hallyu, diplomacia cultural e identidade sul-coreana, à exemplo do Midi Ásia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Portanto, a dica do Painel Como Fazer é: certifique-se de produzir uma pesquisa acadêmica com boas fontes, dados confiáveis e arcabouço teórico-conceitual consistente!
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
- YIN, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Tradução Daniel Bueno. Porto Alegre: Penso, 2016, 313 p.
2 respostas para “BTS na Casa Branca: entre números e significados”
[…] já vimos em outro texto do Painel “BTS na Casa Branca: entre números e significados”, dados são fundamentais para a construção de bons argumentos independente da área de estudo […]
[…] Fonte: B-Armys Acadêmicas, 6/7/2022. Disponível em: https://barmysacademicas.com.br/como-fazer/5133/ […]