Autora: Fernanda Vidal
Revisor(a): Ariely Medeiros e Mariana Lima
No mês passado demos início ao Mini Dicionário da ARMY Pesquisadora. Apresentamos o conceito de Hallyu e introduzimos alguns aspectos acerca desse fenômeno. Hoje, dando continuidade ao nosso Mini Dicionário, vamos seguir para a compreensão do K-Pop, atualmente um dos principais produtos culturais exportados pela Coreia do Sul.
No Ocidente, normalmente utiliza-se o termo “K-Pop” para se referir a qualquer música advinda da Coreia, assim como são classificados outros produtos advindos do país como: K-Dramas, para seriados de televisão coreanos, ou K-Beauty, para produtos de beleza coreanos, apenas acrescentando o “K” de Korean à frente do nome do produto.
No entanto, existem mais nuances que envolvem esta denominação, pois a indústria de música sul coreana possui uma diversidade abrangente de gêneros musicais dentre os quais nem todos são categorizados como K-Pop.
K-Pop não é sinônimo de música popular coreana.
Na Coreia do Sul, o estilo de música mainstream, ou música popular recebe um termo específico Gayo (가요) e dentro de Gayo existem diversos gêneros diferentes tais como rock, R&B, jazz, indie, alternative, dentre outros. K-Pop classifica um estilo musical próprio instaurado na Coreia nos anos 1990 e que hoje se verifica enquanto uma indústria de produção musical específica, com uma cultura particular.
- Um pouquinho de História
Em 1992, o grupo Seo Taiji And Boys inaugurou no país um gênero musical novo envolvendo Pop, Rap e Hip Hop, assim como um modelo de artista que, além de cantar, também dança e performa. Este estilo musical já existia e fazia sucesso no Ocidente com bandas como New Kids On The Block, Backstreet Boys e Menudo, mas Seo Taiji e seus colegas foram os primeiros a migrarem o gênero para a Coreia do Sul.
O grupo não durou muitos anos, tendo se desfeito em 1996. No entanto, neste mesmo ano, Yang Hyun Suk, um de seus integrantes, fundou a YG Entertainment, que é hoje uma das três mais importantes produtoras de K-Pop, solidificando e perpetuando o estilo musical que o grupo havia criado.
No ano seguinte, em 1997, o cantor Park Jin Young fundou a produtora JYP Entertainment que, junto com a SM Entertainment, fundada em 1995 pelo empresário Lee Soo Man, e a YG Entertainment, compreendem o que passou a se chamar de “Big 3”. Termo que designa as mais importantes produtoras musicais coreanas da atualidade, responsáveis por fundar e estabelecer o estilo musical conhecido hoje como K-Pop.
No mesmo ano em que Seo Taiji And Boys se dissolveu, Lee Soo Man da SM Entertainment lançou o grupo H.O.T. (High-five of Teenagers) primeiro grupo a utilizar a denominação K-Pop para definir seu estilo. Os cinco membros do H.O.T. seguiram o mesmo gênero musical e artístico do grupo antecessor e foram também os primeiros artistas coreanos a serem chamados de “idols”. Foi também a partir deles que se introduziu o sistema de produção de idols, elemento característico da indústria musical do K-Pop.
- K-Pop: produzindo idols
Dentro do gênero musical do K-Pop, originado a partir destes grupos musicais, as figuras que cantam, dançam e performam nos palcos não são conhecidas apenas como “artistas”, mas fazem parte de uma categoria denominada idol. Os grupos musicais no K-Pop são chamados de idol groups e muitas vezes o próprio estilo musical do K-Pop é classificado como idol-pop.
Para melhor compreensão do termo, como não citar a icônica “Idol”?: “Você pode me chamar de artista, você pode me chamar de idol ou de qualquer outra coisa que venha à sua cabeça, eu não me importo. Eu me orgulho disso, eu sou livre. Sem mais ironias, pois eu sempre fui eu mesmo.”
A letra representa a inquietação do Bangtan às denominações que lhes são estabelecidas, almejando seu próprio estilo e identidade. A inquietação dos meninos com o uso do termo idol advém do que se entende por esta denominação na indústria coreana de entretenimento.
A palavra idol, ou em português “ídolo”, pode ser definida como uma imagem que representa uma divindade ou como um objeto de adoração. Deste modo, é possível inferir o que implica a utilização desta designação: os músicos do gênero não são apenas artistas, mas modelos a serem seguidos e associa-se a eles a ideia de perfeição e de imaculabilidade.
Acerca dessa característica da figura do idol na indústria do K-Pop discorrem as pesquisadoras brasileiras em fotografia e jornalismo Adriana Cunha e Laiza Kertscher no artigo “A imagem na Indústria Fonográfica: Como o k-pop conquistou o mercado da música ocidental”:
Ao planejar cuidadosamente todas as etapas da carreira do artista, com cuidado especial para que seja apresentado ao público uma figura livre de escândalos, vícios ou hábitos considerados inadequados pela sociedade, as agências de entretenimento do k-pop buscam oferecer possíveis modelos ideais de comportamento, que sirvam como exemplo de conduta, para infiltrar no imaginário e desejo dos fãs.
(CUNHA; KERTSCHER, 2019, pág. 90)
- A cultura idol: do Japão à Coreia do Sul
Esta cultura idol sul coreana baseia-se em um fenômeno homônimo advindo do Japão, embora ambas tenham suas peculiaridades. O principal ponto de convergência entre as culturas japonesa e sul coreana neste quesito é a exigência de uma imagem pública perfeita dos idols, que devem ser exemplos para os outros jovens.
No entanto, o elemento que as diferencia está em como se dá o processo de produção e fabricação dos idols: as empresas de K-Pop selecionam meninos e meninas na faixa dos 12 ou 13 anos para serem trainees. Estes trainees, ou aspirantes a idols, moram nos dormitórios da empresa e passam por anos de treinamento, não apenas em música e dança, mas também em idiomas, atuação e media training para saberem o que falar e como se portarem em frente às câmeras. Ao final deste treinamento eles podem, ou não, debutar, ou estrear em um boy group, girl group ou como artistas solos.
Deste modo, formam-se o que a autora Sun Jung, pesquisadora sino-estadunidense, em sua obra “Korean Masculinities and transcultural consumption” define como multi-entertainers (JUN, 2011, pág. 168), pois os idols saem prontos não apenas para serem músicos, mas para atuarem em diversas plataformas de entretenimento, tais como filmes e séries de televisão, apresentado programas musicais e aparecendo em programas de variedades e reality shows.
É possível, deste modo, perceber como os idols são artistas fabricados e multifacetados por uma indústria que os torna, a eles por inteiro, um produto, e não apenas as suas músicas. É por este motivo que Hanny escreve:
A percepção do público sobre os ídolos na Coreia do Sul é muito maior do que a do Japão. Embora haja fãs fervorosos em ambos os países, a indústria do entretenimento sul-coreana investe muito mais em propaganda, propiciando o reconhecimento público até de ídolos de pequenas empresas, caso participem de algum programa de variedade ou de uma campanha publicitária.
(HANY, 2020, pág. 1350).
E ainda: “No Japão, a cultura idol perde adeptos e pode, nos próximos anos, se tornar apenas um nicho, e não mais uma unanimidade.” Deste modo, é possível perceber como a unanimidade e globalidade são valores essenciais às figuras dos idols coreanos. .
Em contraste, o idol–pop japonês volta-se inteiramente para o mercado local, como explicita a pesquisadora Hiu Yan Kong em sua dissertação de mestrado acerca da globalização do K-Pop:
Em comparação com o Japão, o segundo maior mercado de música mundial, as empresas de entretenimento japonês focam majoritariamente no mercado local e não tem intenção de exportar seus produtos de entretenimento para fora do país. Johnnys Entertainment, por exemplo, uma das principais empresas de entretenimento no Japão que treina e produz grupos de idols masculinos, não tem um canal oficial no YouTube. Os poucos vídeos dos artistas que podem ser achados na plataforma são uploads não autorizados feitos pelos fãs, e esses vídeos são regularmente removidos da plataforma por infringirem direitos autorais.
(KONG, 2016, pág. 11)
Podemos retomar aqui a ideia de nation branding introduzida no verbete de Hallyu. Pensando por essa perspectiva, é possível perceber, como os idols na cultura sul coreana fazem parte desta estratégia de marketing e comunicação no intuito de promover uma a imagem favorável da nação sul coreana perante o mundo. Entende-se assim, que a influência dos idols não se restringe apenas ao mercado musical, como se dá no Japão, mas que eles atuam como figuras modelo para todo país e como representantes nacionais em âmbito global.
Exemplo maior desta característica reside nos próprio membros do BTS que nos anos de 2019 e 2020 e 2021 discurssaram em três Assembleias Gerais das Nações Unidas como representantes da Juventude, por conta de sua parceria com a UNICEF na campanha Love Myself , braço da campanha maior, #ENDviolence, difundida pela mesma instituição de modo a combater a violência contra jovens ao redor do mundo. E que, devido a isso, no último ano recebeu do ex-presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, a nomeação como representantes diplomáticos oficiais do país.
- Ser idol ou não ser: as nuances da categoria.
Tendo delimitado acima as categorias K-Pop e idol é importante ressaltar que, assim como qualquer termo ou categoria que se estabeleça, ambas possuem suas nuances. Existem diversos artistas coreanos de bastante influência no cenário musical nacional e internacional e que não se entendem enquanto idols. Eric Nam e Jay Park são exemplos disso, ambos são artistas reconhecidos internacionalmente, possuem influência e participação em alguns âmbitos da indústria do K-Pop, mas sua atuação não se restringe a ela e ambos não se classificam enquanto idols.
Se recorrermos à classificação de plataformas como Spotify e Itunes, encontraremos diversos artistas na categoria K-Pop que também não fazem parte da indústria musical do K-Pop e que não são idols.
Deste modo, compreende-se que existem casos nos quais a classificação se entende de maneira clara, mas existem outros em que os termos devem ser entendidos e analisados particularmente.
- Conclusão
O intuito deste verbete foi apresentar de maneira mais ampla que o termo K-Pop não se reduz e não funciona enquanto sinônimo de música popular coreana, mas trata-se de um fenômeno particular. Assim como apresentar a figura do idol e compreender de que maneira ela é central para o pleno entendimento desse fenômeno, de modo que não se pode assimilar um sem o outro.
Gostou desse verbete? Então confira também a nossa postagem anterior!
Bibliografia:
CUNHA, Adriana de Barros Ferreira; KERTSCHER, Laiza Ferreira. A Imagem na Indústria Fonográfica: como o k-pop conquistou o mercado da indústria ocidental. In: Revista Científica de Comunicação Social do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e-Com, Belo Horizonte, v. 12, no 2, 2o semestre de 2019.
HANY, Dunia Schabib. K-Pop: a fantástica fábrica de ídolos. Curitiba: Appriss, 2020.
JUNG, Sun. Korean Masculinities and Transcultural Consumption. Hong Kong: Hong Kong University Press, 2011.
KI, Wooseok. K-Pop: The Odyssey. Your Gateway to The Global K-Pop Phenomenon. Potomac: New Degree Press, 2020.
KIM, Bok-rae. Past, Present and Future of Hallyu (Korean Wave). In: American International Journal of Contemporary Research, v. 5, no. 5; October 2015
KIM, Youna (org.). The Soft Power of the Korean Wave; Parasite, BTS and Drama. Abingdon, Oxon ; New York : Routledge, 2022.
KONG, Hiu Yan. The globalization of k-pop: the interplay of external and internal forces. 2016. 113 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Furtwangen, Furtwangen, 2016.
LEE, Geun. A Soft Power Approach to the “Korean Wave”. In: The Review of Korean Studies, v. 12, no. 2, June 2009.
LIE, John. K-Pop: Popular Music, Cultural Amnesia, and Economic Innovation in South Korea. Oakland: University of California Press, 2015.
RUSSELL, Mark James. K-Pop Now!. Tradução de Luiza Marcondes. Bauru: Alto Astral, 2017.
RUSSELL, Mark James. Pop goes Korea: Behind the revolution in movies, music and internet culture. Berkeley: Stone Bridge Press, 2008.
2 respostas para “Mini Dicionário da ARMY Pesquisadora: K-Pop e Idol.”
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