Mini Dicionário da ARMY Pesquisadora: Fandom

Autoras:  Beatriz Bandeira de Mello e Stefhani Medeiros de Sousa

Revisor(a): Bruna Marinho e Mariana Parolini

  1. Origem e significados

A origem do termo remete à combinação das palavras inglesas fan (fã) e kingdom (reino) significando ainda, segundo o Dicionário de Cambridge, “[…] um grupo de fãs de alguém ou algo especialmente muito entusiasmado.”1 (FANDOM, 2022). Esse grupo pode estar ligado a uma pessoa, um time, um grupo musical, uma série de TV, um filme etc. Os fãs podem ainda ser considerados de maneira coletiva como uma comunidade ou uma subcultura. 

Em entrevista, Matt Hills, autor do livro Fan Cultures (2002), aponta que cada “[…] fandom é realizado de maneira diferente e pode significar coisas em distintos microcontextos, em diferentes momentos de interação social, e até mesmo em plataformas distintas.” (GRECO, 2015, p. 149). Ser fã no Twitter pode ser muito diferente de ser fã na vida real, por exemplo. É importante compreender que podem existir diferentes tipos, modos, níveis e hierarquias de fandom, que podem ser desempenhadas de formas variadas (GRECO, 2015). Hills sugere então que, mais do que atribuir uma definição única ao termo fandom, é importante pensar sobre como ele é realizado, para quem, em que contexto e sobre qual assunto ele trata. 

Assim, prossegue o autor, a conceituação de fandom pode estar atrelada tanto a uma dimensão sociológica – que lida com capital cultural, relações de produção e questões sociais – como uma dimensão psicanalítica – que envolve afetos, identidades e emoções de cada indivíduo (GRECO, 2015). Mas o autor é direto ao dizer que a identificação de um fã passa pelo consumo regular de determinado conteúdo e a criação de uma identidade cultural. Isso significa que a atividade exercida pelo fã não só passa pelo consumo de produtos (mídia física e virtual, por exemplo) como também pela associação afetiva ao seu objeto de interesse. Isso ocorre, por exemplo, através de produções textuais como as fanfictions, pela emulação de comportamentos e práticas individuais e de grupo através da criação de grupos covers e, ainda, pelo ativismo constante em redes sociais – Facebook, Twitter, TikTok e Instagram – que, por vezes, abarca dimensões sociais e políticas. A cultura do fã e o fandom, portanto, não se restringem somente ao consumo do que é produzido pela indústria, mas compreendem todo o universo do qual o fã faz parte – no papel de consumidor e produtor – sob forma de engajamento emocional (GRECO, 2015).

1No original, “a group of fans of someone or something, especially very enthusiastic ones”.

  1. A cultura do fã ao longo do tempo

Os fãs surgiram na década de 60, quando despontaram as produções culturais midiáticas e que ao longo da história foram atribuídas características pejorativas relacionadas a obsessão, possessão e aos maníacos. Para religiosos antigos, que eram considerados fanáticos bíblicos, a palavra possuía um significado ligado a um deus que tinha comportamento de um “louco”, que não compreendia as pessoas capazes de fazer qualquer ação pelos seus princípios religiosos. Dá-se, assim, o início das concepções negativas para caracterizar o comportamento do fandom como ansioso, descontrolado e, ainda, como indivíduos capazes de fazer ações irracionais motivadas pela emoção (PACHECO, 2018 p. 15).

Até poucas décadas atrás, eram nomeados de fã-clubes o que hoje chamamos de fandom. Esta palavra ainda possui outras versões dependendo do autor, mas entende-se o termo como um conjunto/comunidade ativa e criativa de fãs de um produto midiático ou cultural. Indiferente de qual palavra se usa para denominar estes grupos, enxerga-se como algo que tem o poder de unir desconhecidos que se conectam através da experiência vivida do consumo de produtos da mídia (TORRES, 2021).

 Para Hills, atualmente o impasse relacionado à compreensão generalizada do fandom é apresentado na ideologia de uma identidade estigmatizada onde certos objetos e/ou culturas são patologizadas, sobretudo ligados a fãs jovens em sua maioria mulheres. Isso desencadearia uma noção de diversos microtextos do significado de fandom em determinado momento de interação social ou dentro de uma plataforma digital. Ou seja, pode haver hierarquias, tipos, modos e níveis de fandoms além do  binário afirmativo versus transformativo:

“Fandom Afirmativo vs. Fandom Transformativo é uma oposição proposta pelo teórico do fã obsession_inc em Dreamwidth.org(2009), que sugere que o afirmativo seria uma forma potencialmente masculina de fandom, centrada nos criadores sob as regras da comunidade, enquanto o fandom transformativo seria ligado à comunidade dominada por mulheres, com democracia de preferências, relacionado a reescrever o texto em função dos objetivos dos fãs.” (GRECO, 2015, p. 149).

  1. Os fandoms no K-Pop 

Nessa categoria podemos direcionar o termo fã para o gênero K-Pop, de forma a se referir aos K-poppers, considerando o entretenimento musical e audiovisual como fator de um crescimento notável de usuários na internet e que, se relacionados ao algoritmo de pesquisas do Google, tornou-se mais popular graças a chamada Terceira Geração dos grupos deste gênero.

Algoritmo de pesquisa do Google relacionado ao K-Pop  em pesquisas do ano de 2004 a 2022 / Google Trends, 2022.

Os fãs de K-Pop são um dos tipos mais ativos de fãs que representam a cultura participativa dos fandoms. Os K-poppers participam e interagem ativamente nas redes sociais através do consumo de produtos dos artistas e empresas, produção de conteúdo criativo-interativo e comunidades de comunicação que compartilham informações de interesse geral do meio ou sobre grupos e artistas específicos.

A diligência de engajamento se dá não apenas pelas redes sociais, mas também na maneira como os fãs apoiam o ídolo promovendo seus trabalhos, aos quais  se reúnem e organizam projetos com o intuito de enaltecer a música e os álbuns pré-lançados,  gerando visualizações nos Music Videos (MVs) e nas canções novas que quebram recordes e deixam o artista em alta, fazendo com que sejam recomendados nas plataformas para outras pessoas. Assim como esgotando ingressos disponíveis para shows em poucas horas e na influência que os fandoms têm na sociedade, como no desenvolvimento de projetos favoráveis às causas sociais/ambientais por meio de Organizações Não-Governamentais (ONGs) em nome de algum fandom, artista ou grupo.

Assim, para os K-poppers, os artistas merecem ser ouvidos, tratados com respeito e receber muito carinho dos fãs, visto que a relação afetiva entre ouvinte e artista não possui identidade fixa e imutável. Sendo esta relação correspondida, de forma a permitir a interação que vai além do gosto musical e abre espaço para criação de novas identidades culturais, o fã de K-Pop torna-se um disseminador do gênero que acaba por aderir algo da cultura consumida em sua rotina e modo de vida tão natural quanto à própria cultura graças ao afeto.

  1. Aca-Fans

Os fãs que são do mundo acadêmico também são pesquisadores que têm o desejo de desenvolver estudos sobre os produtos midiáticos que admiram, podendo assim serem chamados de Aca-Fan

O pesquisador americano Henry Jenkins, considerado um dos pesquisadores da mídia mais influentes da atualidade, se considera um Aca-Fan. Em uma de suas teorias sobre fandom, ele analisa como esse grupo pode criar um texto referente a um conteúdo de seu próprio universo e que a relação com o objeto do estudo pode ser contraditória ao qual o fã se sente atraído, mas que também lhe causa uma insatisfação ou falta. Isso lhe permite expressar a criatividade em produzir sua própria versão da história ou buscar outros fãs com quem discutir interpretações e significados do texto original, numa produção colaborativa de conhecimento sobre o produto midiático/científico.

O motivo por trás do querer escrever textos, produzir design ou o que for de escolha do pesquisador, indica ser o afeto quanto ao produto midiático e se refere à vontade de explorar situações e ideias que não estavam presentes no produto original, no qual  gosto não é uma qualidade fixa e a conquista sempre é instável.

Assim, tudo o que o fã produz pode ser considerado criativo, já que participar do fandom implica conversar constantemente com outros membros, além de desenvolver a  habilidade de ler e manipular produtos midiáticos sobre tal coisa que inspiram na criação, passando a ser fundamental para lidar com o ambiente da atualidade. Desse  modo, estudar os fandoms é essencialmente, estudar a relação entre pessoas e o papel que eles têm em suas vidas.

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Referências do verbete Fandom

BARROS, M. Fandom e Criatividade: formas de produção e consumo dentro do fandom. XI Encontro Nacional de História da MídiaAt: São Paulo, SP, 2017.

FANDOM. In: CAMBRIDGE DICTIONARY, Dicionário Online de Inglês. Cambridge, 2022. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english-portuguese/fandom. Acesso em: set. 2022. 

GRECO, C. O fandom como objeto e os objetos de pesquisa do fandom. V. 9 – Nº 1 jan./jun. 2015 São Paulo – Brasil, p. 149.

HILLS, M.; GRECO, C. O fandom como objeto e os objetos do fandom. Matrizes , v. 9, n.1, p. 147-163, 2015. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/100678. Acesso em: 6 set. 2022.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009, 478p.

JENKINS, Henry. Television fans and participatory culture. Nova York: Routledge, 1992.

OLIVEIRA, L. J. A. A cultura dos fandoms no universo do K-pop: Como a prática dos fãs contribuiu no crescimento e espalhamento do gênero a partir de 2015. UFRN. 2020.

PACHECO, C. Entre clones, aliens e fãs: a  relação entre representatividade LGBT em séries e a produção de fanfictions nos fandoms de Orphan Black e Supergirl. Porto Alegre: 2018.

TORRES, L. Semana do fã: conheça o nome dos fandoms dos artistas! Portal Popline, 2021. Disponível em: https://portalpopline.com.br/semana-do-fa-conheca-o-nome-dos-fandoms-dos-artistas/.

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