‘MAP OF THE SOUL: Persona’ – Arte e Design formando um caminho sugestivo

Fonte: J&Brand 2019

Catharina Maciel e Nathalia Mutz
Revisado por: Helmer Marra e Paula Garcia

Lançado no dia 12 de abril de 2019, o sexto mini-álbum ‘MAP OF THE SOUL: Persona’ marcou o início de uma nova era na carreira do BTS.  Composto por sete faixas, foi inspirado em conceitos da psicologia analítica do psiquiatra suíço Carl Jung, tendo  base o livro Jung: o mapa da alma de Murray Stein, em que o autor resume as teorias de Jung, acabando por abordar nas suas músicas temas como o amor-próprio e o autoconhecimento. E é em comemoração aos quatro anos da estreia do álbum, que hoje falaremos sobre a sua Identidade e processo de criação sob o olhar da Arte e do Design.

No período do lançamento, a Big Hit Entertainment, agora Big Hit Music,  agência do BTS, chegou a recomendar o livro no seu site oficial. Além deste livro, se você compreende inglês, sugerimos o podcast Speaking of Jung” apresentando por Laura London, em que Stein aprofundou-se em uma análise faixa-a-faixa.

Para entender melhor o processo de criação e Identidade Visual dos álbuns, continuamos a falar sobre o contexto desta produção musical. Jung considera que o nosso consciente é formado por arquétipos, os quais são  um conjunto de valores e padrões de personalidade que todo ser humano tem. Ele definiu que tais arquétipos estão presentes no inconsciente coletivo, com significados universais presentes em todas as culturas e religiões. Não somente no título do álbum, mas nas suas letras, o BTS trata de alguns desses conceitos junguianos do inconsciente coletivo e da psique: ego, sombra e persona, sendo este último o foco neste álbum. O ego é o nosso sentido de identidade, parte composta por tudo aquilo que vivemos e observamos, sombra é o que buscamos esconder, reprimir.

Persona é como nos apresentamos publicamente, Stein explica que o termo vem do latim e é uma referência ao teatro greco-romano. Estando relacionado às máscaras que os atores usavam no palco, e completa  que todos nós usamos máscaras de alguma forma quando estamos em público “Faz parte do que é ser um animal social: nossa necessidade de se dar bem com outras pessoas, de ser educado, de ser parte de um grupo” (STEIN, 2019, Online). Ele acredita que a obra trata sobre tentativa de equilíbrio do grupo em balancear a vida pessoal com a pública, situação que pode gerar problemas psicológicos.

“Para mim, ‘persona’ é uma máscara que usamos na sociedade. Uma máscara que pode ser algo ruim ou algo bom, mas é algo que você precisa quando você está vivendo em uma sociedade. A minha ‘persona’ é RM.

 — RM, Transmissão ao Vivo, 23 de abril de 2019 (Fonte: VLIVE)

Em conferência global de imprensa de MOTS: Persona, realizada em 17 de abril  de 2019, o membro Suga fala acerca do álbum ser sobre como a verdadeira força e amor que surgem de encontrar alegria nas pequenas coisas do dia a dia. RM pontuou também que trata-se do processo de entender o mundo e encontrar a si mesmo através do amor, quando diz:  “nós pensamos como descobrir os nossos próprios si-mesmos” (self na psicologia analítica), reforçando a temática do álbum de equilíbrio, amor próprio e autoconhecimento.

Os membros ainda comentaram sobre algumas músicas. J-Hope falou que “Mikrokosmos” trata-se de encontrar a autoestima a partir de dentro, sobre o nosso interesse e amor pelo mundo, tal qual pela forma como o vemos. Enquanto isso, “Jamais Vu” aborda a propensão em repetirmos os mesmos erros, e “Home” sobre para onde, assim como a quem recorremos para sentirmo-nos confortáveis e recebermos apoio e força de quem nos ama. Logo, nota-se que o BTS nos apresenta diferentes tipos de amor, isso é visivelmente transmitido na Identidade Visual do álbum e na sua estética, como, por exemplo,  na escolha e uso das cores.

“[sobre  faixa ‘Home’] No momento em que encontramos o ARMY, que nos conhecem e nos amam, é como voltar para casa e sentir todo o seu calor e conforto. “

 — J-Hope na Conferência global de imprensa de MAP OF THE SOUL: Persona, 2019 (Fonte: NME Magazine)

Todo signo* tem uma função e uma representação, e a marca de uma empresa, produto ou serviço não tem só uma função (valor de uso), também têm uma representação. Por isso é necessário entender que uma Identidade Visual deve considerar  esses dois aspectos, buscando proporcionar uma experiência ao público, tornando tangível e acessível uma ideia, mensagem ou significado. Uma Identidade deve traduzir e reunir os valores da empresa, conceito e  mensagem do produto, procurando transmitir estes em unidades com todos os pontos de contato. Dessa maneira, unificando a experiência do público e criando laços emocionais com o consumidor, neste caso o público-alvo sendo o fandom do BTS, ARMY. Para que seja possível passar significados e tangibilizá-los, é feito o uso de elementos gráficos como: tipografia, layout, imagens, logotipo, cores, dentre outras  linguagens, e associações.

Para isto, há a necessidade de entender o conceito e os objetivos do projeto, tal como para quem o álbum será desenvolvido e qual a mensagem que deseja transmitir. Assim sendo, é necessário entender o briefing* passado pela empresa, que nesse caso foi a Big Hit. Também é relevante que a identidade e a mentalidade do BTS, e da empresa, estivessem conectados à mensagem transmitida pelo álbum.

As empresas responsáveis pelo desenvolvimento do conceito e Identidade Visual do álbum,  Content Form Context (Design Visual do Álbum e a Aplicação do Design) e a J& Brand (Planejamento da Identidade e o Storytelling*), atentaram-se para que essas conexões ocorressem. Seus designers escutaram as músicas do álbum em questão e as demais da discografia do grupo, além de assistirem aos MVs, para entenderem mais sobre o  BTS, e seu  estilo musical. De fato existiu uma imersão no conceito, para que a mensagem geral pudesse ser sentida, a linguagem aplicada é transmitida da maneira desejada.

“Foi importante criar um design que estivesse de acordo com a própria identidade da BTS (…) Há um certo tom e maneira que Big Hit Entertainment e BTS mantiveram ao longo de sua carreira musical e discografia. O novo álbum tinha que se harmonizar com os anteriores também.”

— Cherry Jeon, fundadora e diretora criativa da CFC, 2019 (Fonte: KpopHerald)

Em março de 2019 foram publicadas as primeiras fotografias conceituais do novo álbum e foi apresentado que teria quatro versões diferentes, com sessões de fotos de variadas estéticas e que a cor predominante seria o rosa. As cores são usadas para evocar emoções, além de estimular a associação de à uma marca e acelerar a diferenciação no design. Além disso, as cores relacionam-se diretamente com as emoções. Na sequência de percepção visual, as cores comunicam-se de forma direta e uniforme mais do que as formas.

“O álbum ‘Persona’ fala sobre amor (…) instintivamente a cor que brotou na minha cabeça foi a rosa (…) Assim como existem várias texturas de amor, pensei que as variações de rosa poderiam retratar melhor o humor (mood) do álbum”.

JEON, 2019 (Fonte: KpopHerald Online)

No mundo da arte, esses mesmos elementos se tornam extremamente importantes pelos mesmos motivos, a diferença é que, na arte, a obra fica aberta a diversas interpretações. A intenção do artista é causar algo mais sentimental ao espectador, sendo aqui importante observar principalmente a escolha proposital da cor rosa. Desse modo a escolha do rosa e a aplicação de diferentes tons para as quatro versões do álbum, foi harmoniosa, contribuindo para a unidade da identidade da série, tornando-a consistente.

Quando falamos sobre tornar algo consistente, no design estamos falando da abordagem do princípio da consistência, em que sistemas que são mais fáceis de usar e de aprender quando recorrem ao uso de partes semelhantes expressas da mesma forma, dando unidade e permitindo que  identidades sejam reconhecidas com facilidade. Esse princípio tem quatro tipos: estético, funcional, interno e externo. Nesse caso, o princípio estético foi empregado, que  refere-se à logotipos*, fontes, símbolos  e  gráficos, que poderemos ver também em outros momentos da análise do álbum.

Retomando a escolha da cor rosa, importante para compreender este processo de criação, observa-se que os tons de rosa se encontram entre o quente e o frio. As versões 01 e 03 do álbum, apresentam um tom mais frio de rosa, enquanto as versões 02 e 04 estão próximas do laranja, um tom considerado quente, por ter notas de amarelo na sua composição.

Como já citado neste texto, signos são usados para representar sentimentos, emoções, símbolos, grupo de pessoas ou movimentos. Em relação ao rosa, na  semiótica, é uma cor utilizada para referenciar situações de amor, carinho, conforto, em outros, de  doçura e de infantilidade.

Desse modo, um grupo como o BTS, constantemente lido superficialmente como voltado para o público infantil, resolveu adotar as críticas, como de costume, trazendo a cor rosa em seu 6º mini-álbum. Ao fazer a escolha por esta cor, que por muitos anos foi construída como algo feminino, dada sua associação com sentimentos, movimentos calmos, charme, fragilidade e também a infantilidade, o grupo sul-coreano expressa maturidade com maestria e delicadeza, estampando a capa e as  artes fotográficas de seu álbum. Ao escolher rosa como predominante nos conceitos fotográficos e na capa do álbum, o BTS demonstra que estão abraçando a persona que o mundo coloca sobre eles, enquanto desconstrói o significado. Em conjunto aos  grids na capa, acompanhando o nome da obra, mostram que o caminho para o mapa da alma passa por amar quem eles são, além do que as pessoas pensam deles, e que, talvez, como a cor rosa, não são sensíveis e nem frágeis.

Outro elemento utilizado é a tipografia. Além de comunicar a informação de um termo, ela é essencial para auxiliar no desenvolvimento de uma identidade sólida e marcante, e também é muito importante como veículo para transmissão de mensagens e emoções. Para passar tais significados e organizar a hierarquia das informações que são julgadas mais importantes, existem muitos tipos de fontes. Podendo ser trabalhadas de diversos jeitos, sendo escolhidas pela sua legibilidade e características, variando espessura, tamanho, contraste, e espaço entre as letras e entre linhas.

Como já citado, Identidade Visual é um conjunto de elementos visuais que refletem, assim como transmitem uma ideia e valores, como na criação de um logotipo para uma marca, um símbolo gráfico de um conceito. Existem vários tipos de logotipos para dar vida a estas representações gráficas, neste álbum, para a marca ‘MAP OF THE SOUL: Persona’, o tipo foi wordmark. Este tipo ocorre quando a própria palavra/nome da empresa ou produto é usado para retratar o significado e essência, existe apenas a tipografia (letras) sem símbolo.  Para que ela seja marcante é necessário fazer bom uso da tipografia, estilizando, criando e personalizando uma fonte.

Na capa, tanto para a marca da era “MAP OF THE SOUL” pois ela segue igual no álbum ‘MAP OF THE SOUL: 7‘ dando uma unidade e identidade para a  era, quanto para a sub-marca, “Persona”. Cherry Jeon, a diretora e fundadora do estúdio CFC, disse que uma fonte foi desenvolvida especialmente para o álbum, ou seja, não existia fonte pronta, criando-se algo único e marcante para esse fim.

A fonte citada não tem serifa, que é quando não há traços e prolongamentos nas hastes das letras. É muito utilizada para passar um ar moderno e minimalista que aqui, além de permitir o foco ao título ‘Persona’ é outro elemento que compõe a Identidade junto ao símbolo do coração, criando uma conexão à estética dos álbuns da era de ‘Love Yourself’, algo que a diretora da CFC pontuou ser necessário harmonizar a identidade deste álbum com a dos álbuns anteriores.

Para que o destaque fosse ao título do álbum, “Persona”, foram usados   recursos tal como o tamanho da fonte maior e espessura mais grossa, que das demais palavras e títulos presentes na capa. Outro detalhe é que na palavra ‘Persona’, a partir da parte “sona”, existe uma ondulação e distorção nas letras, que de acordo com Jeon foram feitas com intuito de retratar emoções que são estimuladas pelos diferentes estados de amor. Também observa-se que para que o enfoque fosse ao título do álbum, no nome da era, “MAP OF THE SOUL”, e na indicação da versão, foram desenvolvidos na mesma cor e acabamento da palavra ‘Persona’, porém em um tamanho menor e com a espessura mais fina.

Além disso, localizando a marca e a sub-marca sempre na mesma posição na capa de todas as versões, põe-se em evidência os outros elementos que compõem a identidade e são essenciais como a cor e símbolo (coração). Podemos notar novamente a presença do princípio da consistência, pois estas partes sendo dispostas de forma semelhante/igual, criam uma unidade e faz com que o espectador grave na memória, reconhecendo com facilidade a identidade.

Exemplo de fonte com e sem serifa
Fonte: Autoras
Foco nos detalhes das fontes
Fonte:  ContentFormContext 2019
Foco nos detalhes das fontes
Fonte: ContentFormContext 2019

Mais um elemento que acompanha esta Identidade é o símbolo de um coração, que no imaginário coletivo é uma representação tangível muito associada ao sentimento do amor. Em cada uma das versões ele foi retratado com pequenas diferenças no seu formato, recurso utilizado para representar as diferentes expressões do amor, assim como os diferentes tons de rosa empregados no projeto com o mesmo objetivo.

Em relação a formas, objetos com curvas e contornos, causam impressões estéticas e emocionais positivas. E aqui o símbolo, o coração, teve seu formato representado com linhas curvas, orgânicas e fluidas, bem como um traçado fino, provocando graciosidade e delicadeza juntamente às linhas que possuem movimentos e transmitem o significado das possibilidades de caminhos para o amor.

“A fim de capturar a emoção e entusiasmo do amor, a forma rítmica do coração é expressa em uma linha graciosa.

— CFC, 2019 (Fonte: Behance)
Fonte: ContentFormContext 2019

Os designers responsáveis pelo projeto também fizeram uso de um grid como ferramenta para representar o mapa da alma e seus diversos caminhos possíveis para o autoconhecimento e amor.  O uso de um grid para metáfora do mapa foi muito perspicaz, pois  ele é uma ferramenta, um sistema, que é usado para organizar o espaço e ordem das informações, textos e imagens, com objetivo de ajudar o observador a entender e absorver, tanto o conteúdo, como seus significados, funcionando como um mapa e um guia.

Cada conteúdo, pela sua quantidade de imagens, texto, páginas etc,  exige uma solução diferente e determina que estrutura será usada. Para a escolha dessa estrutura existem diversas possibilidades, podendo ser utilizados alguns dos tipos das estruturas básicas mais usadas, em que os principais componentes de um grid,  como margem, módulos, zonas especiais e guias verticais e horizontais, são estabelecidos de formas diferentes.

À esquerda componentes de um grid, à direita os tipos de grid.
Fonte: TONDREAU, Beth

Entretanto, não é preciso preencher todas as partes, pois o espaço destaca o conteúdo, seja uma imagem ou um texto, traz foco e cria uma dramaticidade. Também transparece importância e sofisticação, como é possível observar na organização das imagens do photobook, em que os módulos foram agrupados, criando uma zona para as imagens, enquanto o restante da página não tinha nenhuma outra informação, respeitando este espaço e criando esse ar elegante e minimalista.

Photobook –  BTS, Map of The Soul: Persona
Fonte: Pinterest
Grid de colunas utilizado para as letras das músicas
Fonte: Tondreau,Beth e ContentFormContext

Contudo, dependendo do conceito a ser passado, também é possível misturar diferentes tipos de estruturas, criando grids irregulares, como é o caso da capa do álbum,  novamente como no uso das cores, em cada versão em que as linhas do grid são diferentes.

Capa do álbum – BTS, Map of The Soul: Persona – versão 01
Fonte: ContentFormContext 2019

Para a transmissão do conceito e das emoções, os detalhes chegam até mesmo no acabamento do álbum físico, como na embalagem, em que a delicadeza e a graciosidade está na aplicação de verniz localizado nas linhas transparentes do grid, sendo visíveis somente contra a luz, enquanto a alegria do amor é representada pelo acabamento metalizado, em prata no título e no coração.

Detalhes dos acabamentos – BTS, Map of The Soul: Persona
Fonte:  ContentFormContext 2019
Detalhes dos acabamentos – BTS, Map of The Soul: Persona – versão 01
Fonte: ContentFormContext 2019

Logo, percebe-se que as mensagens nas músicas do álbum estão presentes e muito bem representadas na Identidade Visual. Foram traduzidas pelos profissionais envolvidos no projeto, que recorreram a  diversos elementos do Design para representar da melhor forma, resultando em uma Identidade marcante, sofisticada e repleta de emoção.

Vídeo da construção da capa, BTS, Map of The Soul: Persona – versão 01
Fonte: Behance
Vídeo da construção da capa, BTS, Map of The Soul: Persona – versão 04
Fonte: Behance

“Deveria ser possível implicar a excitação, o tremor, a esperança e o medo da alma, e até mesmo a jornada que continuará no futuro. A aparência básica da arte de ‘Persona’ tornou-se a forma rítmica de um coração em uma forma livre que poderia implicar um amor elegante e romântico contra uma grade irregular (grid) que representa um mapa.”

— J&BRAND, 2019 (Fonte: J&BRAND)

“Com o mapa e o coração, tentei retratar a trajetória do amor”

— Cherry Jeon, 2019 (Fonte: KpopHerald)

Além do uso dos elementos gráficos, já apresentados como formas de representar os caminhos para o amor, em continuidade abordamos tais possibilidades de trajetos perante o olhar da Arte. Os conceitos do álbum alinham-se em uma sequência de eventos, sendo o primeiro como um passo de uma reunião, que será guiada pelo mapa da alma, demonstrado com fotografias em cada versão.

A fotografia é uma das formas modernas de expressão artística, é a arte predominante no conteúdo dos álbuns, já que todas as versões são acompanhadas de um catálogo fotográfico com seu respectivo conceito. É preciso observar iluminação, tons predominantes nas cenas e a forma que os  signos são registrados, o que traremos a seguir, por meio do olhar da Arte.

VERSÃO 1 – MOTS: PERSONA

BTS, Map of The Soul: Persona – versão 1
Fonte: ContentFormContext 2019

Como dito anteriormente, as versões do álbum trazem cores distintas em seus tons. Na primeira, a cor rosa tem sua base mais fria, e mais clara. Cores frias são usadas para expressar sentimentos mais profundos ou tristes, melancólicos. Um rosa frio pode simbolizar um amor mais íntimo e delicado, e no caso da primeira versão, um rosa bem claro, pode ser também o início de um sentimento romântico, tomando suas primeiras ‘nuances’ e conquistando seu espaço.

BTS – MOTS: Persona, versão 1
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

À primeira vista, trata-se de um grupo de amigos em um momento íntimo, uma pequena festa entre os sete, onde papéis, biscoitos, selfies e brinquedos estão espalhados pelo cômodo. Bem próximos do frame*, os integrantes olham para a lente, como algo mais íntimo do espectador. Em algumas fotos, há predominância no uso de tons de roxo, além de alguns elementos azuis. Isso mostra que mesmo sendo um momento caloroso, o conceito não fica longe da cor escolhida na sua capa, sendo os tons frios, mas ainda quentes de certa maneira.

A selfie, no mundo da arte fotográfica tem o mesmo peso de um auto retrato, onde o artista fotografa-se da forma que ele quer ser visto pelas pessoas. Assim, trazendo a conexão ao título do álbum, a Persona que o BTS quer passar para os fãs e a qualquer um que consumir seu conteúdo.

BTS – MOTS: Persona, versão 1
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

Diferente do esperado pela grande mídia, sete homens adultos controlando uma câmera para mostrar sua persona, não necessariamente precisa expressar masculinidade, voltando a escolha do rosa, em simultâneo, alguns elementos de cor azul e verde também são adicionados. Observa-se que para o grupo não existe apenas um lado para ser escolhido, nem uma forma singular de expressar-se e de amar. Assim, é enfatizado que há diversas maneiras de amar, e também diversas individualidades, já que mesmo sendo um grupo, é formado de sete indivíduos diferentes.

VERSÃO 2 – MOTS: PERSONA

BTS, Map of The Soul: Persona – versão 2
Fonte: ContentFormContext 2019

Seguindo a linha, a segunda versão traz uma cor mais quente, ligada diretamente ao tom laranja. Chamado por algumas pessoas de ‘cor salmão’, esse tom é relacionado constantemente com lugares tropicais e conceitos quentes e aconchegantes, ao mesmo tempo, conversando com os dois cômodos usados, um banheiro e uma área de serviço. Aqui, é apresentado uma espécie de quarto de hotel, em que cada membro aparece sozinho em um banheiro, arrumando-se para algum evento ou saída entre amigos, para explorar o novo local que estão, seja uma cidade ou um país fora daquele quarto.

BTS – MOTS: Persona, versão 2
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

Diferente da primeira versão, os membros soltam as câmeras, pois encontram-se nos seus quartos, no primeiro cenário, tão íntimos e sozinhos, a ponto que nem seus colegas de grupo podem entrar e compartilhar do mesmo espaço. Logo, como espectador, você não vê o espelho, pois  ele é a lente da câmera, que representa sua visão.

Na arte contemporânea, a fotografia, cada vez mais aproxima-se do conceito íntimo de expor alguém e a sua intimidade. O que normalmente seria um incômodo, o grupo traz o conceito do voyeurismo* para dentro das fotos, tornando o espectador um observador escondido, um indivíduo presente nas fotos que não pode ser visto pelos artistas. Os olhos dos espectadores são invasores daquele espaço. Estar no lugar indevido, dentro de um banheiro observando um indivíduo se arrumar, é desejar aquilo que não se deveria ver. É o desejo do proibido que naturalmente atrai o ser humano.

“A noção de voyeurismo aparecerá nas obras de alguns fotógrafos como uma atividade intimamente relacionada ao erotismo e aos objetos de desejo. Esses compreendem a exteriorização de uma vontade subjetiva, tendendo a revelar perfis identitários da vida pessoal do artista, que ao crer expor a intimidade do outro está expondo antes de tudo a sua própria.”

— Adriel Martins Visoto (Fonte: Studium 36)

Um dos elementos do primeiro e do segundo cenário, que é colocado em penúltimo plano, antes da parede rosa, é uma pintura tropical de Lyubov Tolstova em aquarela, escolhida para demonstrar que estão longe do seu ponto de partida, ou seja, da sua casa. A jornada que começou na primeira versão ainda está em andamento. Esse elemento, quando observado nas fotografias em escala de cinza, lembra uma cena do filme francês ‘O Ódio’ (La Haine) de 1995, aonde um personagem encara-se no espelho interpretando uma cena do filme Taxi Driver.

“Essa possível referência a La Haine é justificada pelo fato do diretor de arte Kim Sunghyun, que criou o conceito, ser um grande fã do filme.”

(Fonte: Behind The Screen of Bangtan Fanblog)
Fonte: O Ódio, 1995 – Diretor: Mathieu Kassovitz

Cada um dos membros se arruma no seu respectivo banheiro, experimentando roupas, jóias, escovando seus dentes, penteando os cabelos, ficando prontos para serem expostos, sem saber que já estão, através dos olhos do invasor, que são os espectadores. Na foto em grupo, os sete membros estão na área de serviço, que é considerada uma área comum de um prédio ou hotel, lugar onde hóspedes costumam transitar. Sobre a bancada, podemos analisar elementos que representam um lugar de práticas íntimas e rotineiras. As escovas de dente, cada uma de uma cor, simbolizam que os sete também fazem sua higiene no local e que os espectadores, estão invadindo mais uma vez.

BTS – MOTS: Persona, versão 2 | Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

VERSÃO 3 – MOTS: PERSONA

BTS, Map of The Soul: Persona – versão 3
Fonte: ContentFormContext 2019

Com o rosa de tom mais escuro, voltando para a escala fria do projeto, a terceira versão é acompanhada de um conceito fotográfico claro. Em contraste com a capa, os membros estão em um quarto de tons pastéis, iluminado por uma simulação de luz natural, olhando diretamente para a câmera, mostrando que sabem que estão sendo observados, e suas poses são dirigidas, mas com um pouco de espontaneidade.

BTS – MOTS: Persona, versão 3
Fonte: BIGHIT Entertainment  2019

O tom frio da capa combina com a ideia de calma e conforto. Todas as fotos têm elementos comuns: um lugar de descanso ao lado da porta; usam roupas confortáveis que aproximam-se de pijamas; a rosa vermelha; e um casaco pronto para quando precisarem sair por aquela porta.

Analisando cada elemento, o assento ao lado da porta parece um lugar para sentar-se ao chegar em casa e retirar seus sapatos, ou antes de sair para calçá-los. É costume, de algumas pessoas, deixar os sapatos na entrada da casa, o que conversa com a jaqueta pendurada, disponível para quando um membro do grupo quiser cobrir seu pijama, vestir sua persona e sair do quarto. A ideia de pôr um assento também pode representar descanso e conforto.

Nestes trajetos à procura do amor, assim como na segunda versão, existe um quadro na parede indicando que caminharam mais um pouco nesta busca. Dessa vez uma paisagem colorida em tons de aquarela, delicada, aparentemente impressionista. 

Olhando diretamente para o público, cada um, segura a mesma rosa vermelha, um dos mais reconhecidos signos de paixão em grande parte do mundo. Isso pode demonstrar que o amor do BTS é para qualquer fã de qualquer lugar. Se todos eles seguram exatamente a mesma flor, mostram que compartilham do mesmo sentimento pelas pessoas, no quarto vestindo roupas  confortáveis, com muito carisma.

BTS – MOTS: Persona, versão 3
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

É como se amar alguém, em um nível tão íntimo, precisa-se ficar naquele espaço, longe da vida fora do quarto e da exposição que os idols vivenciam. É amar alguém e quando precisam sair, colocam seus casacos e passam por aquela porta, deixando o que a grande mídia vê como frágil, para trás.

VERSÃO 4 – MOTS: PERSONA

Na extrema direita a versão 04 (da esquerda para direita: versão 1, 2, 3 e 4) – BTS, Map of The Soul: Persona
Fonte: ContentFormContext 2019
BTS – MOTS: Persona, versão 4
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

Nesta versão, após saírem pela porta do quarto onde encontravam-se, finalmente os membros vão para mais um local diferente, que não se esforça para parecer um ambiente íntimo e descontraído. É nitidamente um estúdio, um cenário organizado para as fotos dos artistas com elementos extravagantes, como as roupas, e algumas frutas, que em um momento estão espalhadas pelo lugar, em outro, nas mãos dos membros, levando o espectador ao desejo material.

A cor da capa é quente, ligada ao salmão da segunda versão e representa uma mistura das demais, como se chegasse ao último lugar da viagem. Talvez seja possível considerar essa jornada um ciclo, pois sabe-se que, depois de todo caminho traçado, os artistas voltam para o quarto, tiram suas roupas finas, encontrando-se no começo de sua viagem pelo mapa da alma, sempre unidos pelo mesmo sentimento.

Uma das primeiras coisas que causam impacto, ou até mesmo um desconforto, são as roupas escolhidas para cada um. Todas são itens caros de marcas conhecidas, extravagantes, e praticamente direto das passarelas, como a bolsa que o Jung Kook usa e os tênis que Suga calça, ambos da Gucci. A primeira coisa que observa-se é a camada sobre a fotografia, como uma névoa leve que escurece, e tira o contraste da imagem, mostrando a presença da edição, intencionalmente dizendo que desde as roupas até a pós produção foi minimamente pensado.

Diferente da intenção das outras versões, que é passar algo íntimo e descontraído, a versão 4 conversa diretamente com o nome do álbum, persona, já que estão todos posando e mostrando seu lado performático. As roupas caras e de luxo conversam com as jaquetas da versão 3. A ideia de que agora os sete estão fora do quarto, com seus casacos, mostrando outro lado, menos íntimo, que atiça o espectador a consumir seu produto. Na foto em grupo, observa-se uma bolsa pequena e azul pendurada no pescoço de Jung Kook, assim como os colares grandes e brilhantes nos pescoços de Jimin e V, simbolizando a ostentação, um dos elementos que é ligado à fama.

Interessante pontuar também, que uma das faixas do álbum chama-se Dionysus, uma canção que fala sobre a vida nos palcos, de uma pessoa famosa, usufruindo de suas conquistas e dinheiro, relacionando-a com a simbologia e signos do deus grego Dionísio.

“Também conhecido por Baco (gr. Βάκχος), Dioniso era o deus do delírio místico (êxtase) e do vinho, bebida que alivia as preocupações e inspira os homens para a música e a poesia.”

RIBEIRO JR. Wilson (Fonte: Portal Grécia Antiga)

Representado, constantemente, por taças de vinho, junto às heras e vinhas, Dionísio se faz presente no conceito. O lençol branco sobre os assentos remete aos tecidos usados em seus mantos e vestes no antigo vestuário grego; usados por homens e mulheres no Período Arcaico. Também é relacionado a rituais de fertilidade, ligados ao desejo, e a presença do morango ligada ao deus grego, assim como a provocação do grupo em mostrar ao espectador que sabem que estão sendo observados e desejados.

BTS – MOTS: Persona, versão 4
Fonte: BIGHIT Entertainment 2019

Deste modo, vemos que ‘MAP OF THE SOUL: Persona’ cumpre bem seu papel em procurar guiar o espectador pelo mesmo caminho que o artista, durante todas suas versões. Mesmo que criem uma narrativa linear, também funcionam separados, pois cada versão desperta sensações semelhantes de conforto, carinho e amor.

Qual a sua postura perante a vida? Como você enxerga e vive o amor? Através das capas diferentes em cada versão, assim como os catálogos fotográficos, diferentes em cada uma, somos transportados para uma diversidade de pontos de vista nessa jornada. O que aproxima-se da experiência de ouvir música, visto que a arte tem leituras sugestivas, interpretações distintas, nos fazendo  pensar e refletir sobre nossas escolhas, e nossas formas de amar.

Glossário

  • Briefing: Conjunto de informações contendo orientações passadas pelo cliente/empresa acerca do produto, serviço, entre outros aspectos. Funciona como uma descrição e serve de embasamento para o desenvolvimento do projeto. Contém dados como objetivos, valores, conceito, mercado, público-alvo, perfil do consumidor, necessidades e problemas.
  • Frame: Expressão usada para se referir a molduras e bordas fotográficas ou de vídeo.
  • Logotipo: Representação gráfica e visível de um conceito, empresa, produto, serviço. É a “imagem” de uma marca. É composto por um símbolo, e um suporte de texto. Quando conta apenas com um símbolo/ícone é chamado somente de “logo”.
  • Signo: Qualquer coisa que pode ser utilizada para representar algo, possui um significado, um valor e precisa fazer sentido para alguém, com base nas suas experiências. É composto por significante, a parte física do signo, e pelo significado, a parte mental, o conceito.
  • Storytelling: Concepção narrativa; método de contar uma história de maneira relevante com palavras e recursos visuais para promover um negócio, produto, etc. É uma narrativa para comunicar-se com o público, cativá-lo, marcar na memória e reter sua atenção.  
  • Voyeurismo: No mundo da arte, refere-se a curiosidade pelo o que é particular e íntimo, retrato de momentos privados onde o espectador é inserido em segredo.

Referências

2 respostas para “‘MAP OF THE SOUL: Persona’ – Arte e Design formando um caminho sugestivo”

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