Yasmin Chung
Revisado por: Isabella Teles e Laura Mello
Perguntava-se frequentemente se aquilo era o viver. Todas as manhãs acordava, organizava seu dia e passava o tempo até o anoitecer, repetidamente, sem tirar nem pôr. Será que era apenas para aquilo que estava no mundo? Tudo lhe parecia tão… Comum? O mesmo Sol, o mesmo cantar dos pássaros, o mesmo amargor do café. Os mesmos gritos dos vizinhos, os mesmos congestionamentos no trânsito, os mesmos “mesmos” do cotidiano desenfreado. Recusava-se a acreditar que era isso, que o Universo reservava à sua existência tão-somente a mesmice de uma vida corriqueira.
Vivia calma e monotonamente, por vezes distante — sempre que possível — de toda a realidade. Em seus devaneios sobre uma existência em que poderia demorar-se em apenas ser, indo de encontro com toda a velocidade do sistema que lhe cercava, o qual não permitia a autenticidade e o processo de se existir, o qual aprisionava almas, finalmente encontrou, sem nem perceber, um tangível escape. Sorrateiro e silencioso, um presente do Universo para si, um fortuno acaso.
Arquitetada pelo Destino, de maneira que nem mesmo ele poderia prever tamanha reciprocidade, a confluência dessas vidas foi-se entrelaçando cada vez mais. Como era espantosa a conexão. Queria morar no brilho de seu sorrir pelo resto de sua existência, ansiava agradecer ao Universo a bondade que nunca pensou merecer: encontrar alguém que ressoasse tanto que lhe desse razões para estar ali. O mesmo Sol, o mesmo cantar dos pássaros, o mesmo amargor do café. Os mesmos gritos dos vizinhos, os mesmos congestionamentos no trânsito, os mesmos “mesmos” do cotidiano desenfreado já não lhe eram mais tediosos. Foi salva por ele, sua penicilina, seu anjo.
Sabia que era ele. A cada dia que passava, convencia-se de que sua felicidade havia sido destinada desde a criação do Universo. Como acreditar que não era um sonho? Que tudo isso que estava vivendo não escorreria por entre seus dedos como a areia da praia? No entanto, ansiava por aquilo. Não queria temer, queria segurar-lhe a mão.
Pensava que talvez, aquilo que era nosso acaso, era a certeza do Destino: que nossas vidas se encontrassem dessa maneira tão simples, porém não simplória. Especial pela simplicidade de apenas ser e compartilhar os mais corriqueiros e cotidianos momentos. Uma sintonia tão perfeita, orquestrada pelo próprio Universo ao permitir que florescêssemos juntos. Questionava-se se tal acaso era o que chamavam amor. Apenas se deixe amar, amar aquele que tanto cativou e cuidou. Aquele que correspondia em sua idiossincrasia, deixe-me amar.
Temia que o Destino se arrependesse de tal arranjo e tentasse desfazer a relação que semeou e cuidou. Não queria desvencilhar-se, jamais. O amor lhe era urgente, o toque era vital. Contudo, o crescente ciúme do Destino era assustador. E se? E se? Apreensivos, o mesmo medo que ele sentia, era aquele que pulsava em si. Pois eram, agora, um, eu sou você e você sou eu.
Todavia, o Universo estava a seu favor, movia-se por eles, regendo o bailar de suas vidas. Podiam ser “nós” tranquilamente e apreciar as estrelas penduradas nos céus. Podiam, juntos, desabrochar. Finalmente, virara flor. Em sua presença, ele também floriu.
2 respostas para “Fortuno acaso”
Muito muito tocante este texto, Yasmin.
A poética forma de traduzir em palavras os sentimentos ora de prisão, ora de libertação é muito forte aqui. Amei lê-lo, e espero pelos próximos.
Estava com saudades de ler suas tão bem escritas linhas.
Por momentos, vi-me em seu narrador e senti com ele o misericordioso olhar do Universo.
Beijos!
Muito obrigada por ler, Ari! Sempre muito bom poder trocar contigo <3
Beijos!