Escrito por: Maria Fleck
Revisado por: Mariana Parolini e Maria Skolute
Aviso importante: O B-ARMYs Acadêmicas não possui vínculo com as lojas entrevistadas e as informações disponibilizadas por elas são de responsabilidade própria.
A merchandise, ou merch, é uma grande parte do mundo do K-pop. Pode ser entendida como um símbolo de identificação para as fãs, que compram os produtos para sentirem-se representadas e também mais próximas dos seus ídolos. Faz parte da vida do fã querer comprar itens que sejam relacionados ao seu objeto de afeto porque é uma maneira de manifestar sua parte no fandom, apresentando-se para outras pessoas e incluindo as que estão no mesmo grupo de admiradores de um determinado artista. A compra de merch pode se tornar uma prática colecionadora, o que é comum em qualquer fandom, não só nos de K-pop. Ainda assim, pode-se perceber como é mais movimentada a cultura de merch neste meio. Para além dos álbuns, existem outras categorias de produtos como photocards, lightsticks, decorações, acessórios, peças de roupa, entre outras, a partir de compra direta do fornecedor, assim como a venda e troca entre fãs. As do BTS podem ser encontradas em diversos lugares do mundo, ultrapassando as barreiras geográficas e aproximando as fãs do grupo. Conforme Zhang et al., o K-pop tem sucesso internacional “graças a fanbase apaixonada e ativa” (2020, p.4), e isso se manifesta nos hábitos de consumo delas.
A Hybe, empresa responsável pelo BTS, possui uma vasta variedade de produtos oficiais lançados, desde produtos diretamente ligados ao grupo, como álbuns, lightsticks, box de membership e coleções especiais, como a que foi feita em comemoração aos 10 anos do grupo. Ainda, foram lançadas merchs individuais nas eras solos dos membros e a coleção “Made By” que possuía itens idealizados por cada membro. Além destes produtos, a empresa também tem a marca BT21, que regularmente lança produtos novos, desde cosméticos, artigos para decoração, materiais eletrônicos, roupas, acessórios, entre tantos outros. Também, além dos itens lançados exclusivamente pela Hybe, existem os que são lançados em parceria com outras empresas, como a coleção de cafés gelados “Cold Brew Americano” através da Hy, ou as barras de chocolate “Crunky” da corporação Lotte. Até mesmo revistas, nas quais os membros do grupo estão na capa, são consideradas merchs para as fãs, mesmo que não sejam lançados pela empresa deles. Neste resumo de produtos, nota-se que as opções são muitas e capazes de uma movimentação monetária significativa pelas fãs que estão tanto na Coreia do Sul como as de fora do país.
Em 2019, o BTS foi responsável por US$4.65 bilhões do PIB da Coreia do Sul, entrando no mesmo círculo que as empresas de maior faturamento do país, Samsung, Hyundai e Kia. De acordo com o Hollywood Reporter, este número foi a união de alguns fatores: o merchandising resultou US$130 milhões em livros, camisetas, cosméticos, joias, bonecos e outros itens. Até a data da publicação, o site informou que o eBay da Coreia tinha 40 mil produtos relacionados ao BTS. Por fim, somaram-se os dólares usados no turismo e outras fontes de lucro, como shows. Estes dados demonstram que “o crescimento da economia da Coreia está entrelaçado com o crescimento das indústrias culturais.” (CHEN, 2016, p.36).
Quando se fala sobre cultura de fandom, muitos autores citam o tópico identidade. Isso ocorre porque o “ser fã” faz parte da construção identitária da personalidade das pessoas nestes fandoms. Dentro do K-pop, o consumo deste conteúdo pode levar o público a conhecer outras áreas da cultura coreana, como os dramas, livros, programas de entretenimento, comida, roupas, entre outras produções do país, e isto demonstra o processo identitário recebendo mais camadas com esses novos conhecimentos. Conforme Jenkins, muitas fãs identificam a entrada em um fandom como uma transição que seria “um movimento de isolamento social e cultural” colocado nas mulheres que vivem dentro de uma sociedade patriarcal e estão em busca de “prazeres alternativos nas representações dominantes de mídia”. Ou seja, quem rege as mídias predominantes não produz conteúdo tendo mulheres como público alvo, e estas se colocam a procurar materiais midiáticos que suprem seus interesses e que abram espaço para produzirem como fãs. Desta forma, elas se movimentam “em direção a uma participação cada vez mais ativa em uma ‘comunidade’ receptiva às suas produções culturais, uma ‘comunidade’ dentro da qual possam sentir um sentimento de ‘pertencimento’” (2006, p.41). Ser fã faz parte da vida de tantas pessoas porque é uma experiência empolgante e oferece um lugar acolhedor para conhecer pessoas com os mesmos gostos. Grossberg menciona que “estamos engajados com formas de cultura popular porque, de algum modo e forma, são divertidos e eles nos fornecem uma certa medida de satisfação e prazer” (2002, p.55). Esses sentimentos de encontrar pertencimento dentro de um fandom e sentir prazer em colecionar produtos foram observados nas fãs entrevistadas para o texto presente.
Existem aspectos que afetam o consumo de conteúdos e de produtos dos ídolos e um deles são as diferenças geográficas. Quando se trata do consumismo no mundo do K-pop, Zhang et al. informam que esse consumo está “altamente concentrado nos Estados Unidos, Europa, Sudeste da Ásia, Japão e China, com sucesso particular no Japão” (2020, p.4). No Brasil, o consumo de merchandising é diferente destes outros lugares citados anteriormente. Obstáculos como envio para um endereço brasileiro e as taxações por importação levam as fãs daqui a procurar outros meios de comprar os produtos oficiais. As lojas que fazem o repasse destes produtos pelo trajeto Coreia – Brasil são o ponto de referência para efetuar a tão sonhada compra.
Fãs, clientes e colecionadoras
Afinal, o que move as fãs a comprarem os produtos dos seus ídolos? Por que elas colecionam merch? Para Juliet Tonetto, 24, o produto é uma lembrança física do momento que viveu com BTS: “É a motivação de ficar mais próxima deles e também agradecer pelo trabalho duro deles. Vejo isso como a minha forma de agradecer e guardar a memória daquela época”, Tonetto relata. Um dos outros motivos pode estar relacionado ao design dos produtos, e sobre isso, Clécia Lima, 29, diz: “Acho [os produtos] lindos. A estética, os conceitos”. Ana Paula Figueiró, 28, sempre gostou de colecionar e vê a merch como uma memória palpável das coisas que ama: “Gosto da sensação de pegar algo que representa eles nas mãos, mesmo que seja apenas um photocard. O tempo que dedico à minha coleção é como se fosse uma terapia, mas enfatizo que tenho a consciência que ela não deve ser um suporte psicológico, apenas um hobby”, ela constata. Ariely Medeiros, 26, também já tinha experiência de colecionar objetos de coisas que gosta, como música, livros, entre outras coisas. Ela cita que conforme o tempo, entendeu que não era possível colecionar tudo e centralizou a compra em um produto específico: “Até tenho um DVD e alguns photocards que comprei soltos, mas acabei focando mais nos álbuns”.
Quando questionadas sobre as dificuldades na hora da compra, elas citaram obstáculos em comum. Constatou-se que a maior preocupação é a de encontrar uma loja confiável. “Particularmente, eu acho que a maior dificuldade é encontrar um fornecedor. Alguns preços acabam saindo fora da curva devido a essa dificuldade. O tempo de envio é compreensível. Eu já comprei por uma lojinha que o envio foi mais rápido, porém o preço aumentou e agora compro em compras conjuntas e o preço fica mais acessível, mas é difícil encontrar alguém que você possa confiar”, relata Tonetto. Complementando o relato sobre confiança, Lima conta que já sofreu um golpe na tentativa de comprar um ARMY Bomb, mas conseguiu obter o lightstick através de uma amiga que mora nos Estados Unidos e teve acesso a uma loja física. Medeiros descreve a situação: “Acho que uma dificuldade é a informalidade na venda de produtos oficiais, porque como o Weverse não entrega aqui no Brasil, a gente acaba dependendo de outros fornecedores, como essas lojinhas de fãs ou compras em grupo organizadas por fãs também. Não são poucas as histórias de gente que perdeu dinheiro com esse tipo de compra, então rola essa insegurança também”. Figueiró relata, a partir de experiências prévias, que o mais difícil é encontrar um fornecedor confiável: “No começo, comprei de outros colecionadores no Twitter, Instagram e Facebook, mas desta forma pode rolar golpes, e infelizmente já caí em alguns. Comprar de lojinhas é outro rolê, também precisa ter uma pesquisa pesada, pois como a maioria são também de colecionadoras, os golpes rolam soltos. Agora com a Shopee está mais fácil não perder dinheiro”, encerra.
Outro detalhe que influencia o poder de compra das fãs é a conversão de moeda. Zhang et al. (2020) explicam que “os fandoms de K-pop exibem algumas variações de acordo com o país devido a alguns fatores locais que influenciam o comportamento dos consumidores.” Por isso, é compreensível que o poder de compra das fãs brasileiras seja mais fraco em comparação com as fãs coreanas, que estão no país do BTS e mantém a mesma moeda, assim como as fãs estadunidenses que possuem maior acesso aos produtos e shows, e ainda dispõem da moeda dólar. Zhang et al. exploram mais o assunto afirmando que “na América Latina, muitos fãs de K-pop não têm a habilidade financeira de viajar e experienciar o K-pop no país de origem, então os hábitos dos consumidores dependem da mídia digital” (2020, p.4). Seguindo esse contexto, a conversão do won (moeda sul-coreana) para o real deixa produtos muito caros às fãs brasileiras e isto afeta a quantidade de consumo deles. No momento da publicação deste artigo, a cotação do real (R$) equivale a 0,0037177021 won (₩). Ou seja, R$100 são ₩26,89. Isso dificulta a quantidade de produtos que as fãs conseguem comprar, desacelerando o ritmo de consumo. “O preço é uma dificuldade sim, então eu coleciono devagar porque, por exemplo, dificilmente eu compro todas as versões de uma só vez, vou comprando conforme a minha possibilidade financeira, por isso até agora minha coleção não é muito grande”, Medeiros explica. Apesar da plataforma Shopee agregar a experiência de compra de produtos de K-pop, Figueiró diz que “os preços estão salgados, sem contar as taxas, em compras internacionais normalmente têm. Quando não tem é uma vitória”. Medeiros acrescenta dizendo que outra dificuldade recente é a possibilidade de taxação pela Shopee. “Agora acredito que diminuiu um pouco por conta da Remessa Conforme, apesar do preço do produto aumentar um pouco por causa do acréscimo do ICMS”, ressalta. Lima também afirma que “os preços são caros e o envio é bem complicado para comprar materiais oficiais”.
Espaço para ser ARMY
Fazer parte de um fandom traz a sensação de pertencimento. Isso ocorre porque os fãs são, muitas vezes, vistos de uma maneira pejorativa e é em suas comunidades que encontram um espaço para consumir, debater e apreciar seu objeto de afeto. Figueiró descreve o sentimento: “[Eu sinto] acolhimento em uma comunidade que não julga e discrimina meus hobbies e paixões”. O julgamento que Figueiró descreve também é citado no estudo sobre cultura de fãs, no qual elas são “comumente sujeitas ao ridículo e outras formas negativas de representação” e estas pessoas “são aquelas associadas aos jovens, às mulheres, aos queers, aos forasteiros, aos pobres, aos etnicamente diferentes. Esses fãs são discriminados, não como fãs, mas como membros de grupos que seu fandom representa” (SANDVOSS; GRAY; HARRINGTON, 2007, p.12). Este trecho dos autores tem ligação ao fato do ARMY ser um fandom que alcança diversos lugares e pessoas do mundo, possui um espaço receptivo para quaisquer grupos sociais, logo estes estão sujeitos ao preconceito por serem fãs e fazerem parte de outro grupo discriminado.
Ainda nesse sentido, é possível adentrar em aspectos como gênero e idade das fãs. Em 2022, foi realizada uma pesquisa através do BTS ARMY Census (Censo BTS ARMY), com o intuito de estabelecer uma representação numérica das fãs e suas características como idade, gênero, entre outros fatores. Conforme os resultados, cerca de 70% do fandom é maior de idade, entre 18 e 29 anos, assim como 97% das fãs que responderam o questionário afirmaram ser mulheres. Com esses dados e considerando o estereótipo de que o fandom do BTS se compõe por meninas e crianças e, por isso, afirmarem ser algo infantil, percebe-se que a faixa etária majoritária é composta por pessoas adultas. Ainda assim, não há idade ou gênero para fazer parte do fandom. Sendo crianças, adultos ou idosos, todas as faixas etárias são possíveis para ser fã. Em relação ao gênero, foi confirmado que a maioria das fãs são mulheres, o que é coerente considerando a dedicação e lealdade do público feminino. Vasquez (2021, s/p), em uma publicação sobre o estigma que existe ao redor de artistas com um fandom predominantemente feminino, explica que “em vez de ver um artista ou banda de grande sucesso, a sociedade vê milhares de adolescentes gritando histericamente em um show”. Um exemplo para demonstrar a dualidade deste pensamento: futebol, um esporte que é majoritariamente representado por fãs homens, dificilmente têm os torcedores referidos da mesma maneira negativa, apesar de estarem fazendo a mesma ação. Vasquez segue: “Embora esses artistas atraiam grandes multidões e façam shows com ingressos esgotados, seu talento é questionado porque eles “só atraem adolescentes”. Por esse mesmo motivo, algumas pessoas não concedem uma oportunidade de ouvir um novo artista, pois as fãs são mulheres e seus gostos questionáveis. Não só pelo gênero do fandom, mas também por terem fãs adolescentes. Afinal, tudo isso “implica que as adolescentes como um todo, e aqueles que pensam como elas, são frívolas e têm mau julgamento”, explica Vasquez. Por fim, o censo constatou que “as fãs do sexo feminino são, muitas vezes, prejudicadas e subestimadas, mas é claro que elas merecem respeito e crédito por liderar o caminho” (BTS ARMY CENSUS, 2022, s/p, tradução nossa).
Varma (2018) ao escrever sobre a crítica em cima do K-Pop, cita que assim é criada uma “narrativa em torno do sucesso do grupo, fazendo parecer que eles são apenas um fenômeno excêntrico que ficou famoso por suas fãs predominantemente femininas” (s/p, tradução nossa). Nesse tópico, ela reitera que ter uma fanbase predominantemente de mulheres não é algo ruim e que os membros do BTS já disseram que estão orgulhosos das ARMYs. Todavia, Varma reforça que a “atenção excessiva que a mídia ocidental tem sobre as ARMYs parece sugerir que o BTS só é famoso por causa de seus fãs”, o que retira deles o mérito pelo talento e esforço que dedicam à arte produzida. Por seguir esse estereótipo, o BTS é tratado “como se fosse algum tipo de fenômeno viral de um hit sem qualquer substância” (2018, s/p, tradução nossa).
Do fandom ao empreendedorismo
Quantas lojas de produtos oficiais de K-Pop você conhece? Em quais já realizou uma compra ou pensa em comprar? Agora é o momento de conhecer três empresas brasileiras que fazem parte deste mundo de produtos. Suzzana Shin, 39, dona da loja KoreanSSamba, começou a jornada de empreendedora vendendo cosméticos coreanos. Através da divulgação dos produtos, conheceu influencers que falam sobre a Coreia do Sul. Uma delas sugeriu que Shin vendesse produtos do BTS, pois as seguidoras tinham muito interesse e estavam sofrendo golpes com tentativas de compras recentes. As fãs precisavam de alguém de confiança para efetuar as compras, e foi aí que ela entrou. Na época, apesar de conhecer o BTS, Shin ainda não era ARMY. Adentrou o universo deles, se apaixonou e logo a KoreansSamba surgiu.
Shin comenta que procurou influencers ARMY, e assim conheceu uma de K-pop e K-dramas, Luana Amorim, e por intermédio dela conseguiu divulgar a loja. “Eu conheci clientes através da Lu. Ela me ajudou muito a divulgar e as pessoas começaram a me conhecer. Primeiro, foram dois produtos e depois três produtos, e então dez, e de dez foi para cem, e assim foi aumentando”, Shin conta. Atualmente, os álbuns são a maior venda da loja: “Vendo muito mais os álbuns e DVDs. As merchs, como acabam muito rápido, mesmo a gente querendo vender depois, não consegue. Só se for através de revendedor, mas acaba ficando muito caro”, relata.
A experiência de ter uma loja de K-pop traz muitos aprendizados, e para Shin, ela aprendeu muito com as clientes. “Quando eu tinha 12 anos, tinha começado a primeira geração de idols e eu era apaixonada. Ia atrás e fazia de tudo pra ir em shows. Eu era menor idade, então pedia para minha mãe comprar. Eu também tinha photocard, igual hoje. Com o tempo, eu achei que fosse coisa de menininha. A gente vai envelhecendo e por dentro eu gostava, mas não demonstrava tanto. Mas, agora, não é assim. Não existe idade para ser ARMY. Mudou todo esse preconceito”, narra. A fala de Shin possui relação com os estereótipos que fãs adultas enfrentam ao expressarem interesses pessoais porque os conteúdos são considerados infantis, e que até mesmo na adolescência é alvo de críticas, como abordado anteriormente por Jenkins, Vasquez, Sandvoss, Gray e Harrington. E, o K-pop, por ser um gênero proveniente de um país asiático, causa maior estranhamento entre as pessoas que não são fãs, em comparação com gêneros provenientes do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos, por terem produtos culturais consumidos no Brasil há mais tempo e com um público amplo.
Quando você compra algo, sente ansiedade esperando que chegue o mais rápido possível? Conta os dias? Shin entende o sentimento: “Eu sou uma pessoa muito ansiosa. Eu tive gratidão por ser ansiosa, porque eu consigo entender melhor [o lado das clientes]. Até eu acabo ficando mais estressada quando eu atraso. Então, era uma coisa que eu achei que fosse um defeito meu e acabou sendo uma coisa boa para fazer atendimento e para as clientes.” Os produtos podem demorar meses até chegar na casa da compradora. Existe o do trajeto da Coreia até o Brasil, e já dentro do nosso país, o trajeto até a cidade da consumidora. É um momento de espera que pode causar ansiedade nas fãs que aguardam o tão sonhado produto. “Eu sinto muita responsabilidade até os produtos chegarem na casa da cliente. O meu objetivo é a cliente não pagar taxação”, Shin explica e acrescenta que encontrou um trabalho que combina com as características dela. Além disso, ela comenta sobre a vontade de expandir: “Eu quero crescer muito mais, até chegar ao ponto de que os brasileiros, ou todas as pessoas que estão fora da Coreia, consigam receber as coisas sem exagero no valor e sem abuso nenhum”.
Shin tirou a sorte grande nos sorteios oficiais do BTS. Pôster autografado e vídeo chamada com o Yoongi, nas promoções de D-day; fanmeeting “Vicnic”, um evento do álbum solo do Taehyung, intitulado “Layover”; ligação de vídeo chamada com Jungkook e o show “Golden Live On Stage” dedicado ao álbum dele, nomeado “Golden”. Quando questionada sobre esses momentos especiais, ela relatou: “Eu nunca fui sorteada para nada. Mas dos meninos, eu fui sorteada quase em todos. Eu não sei o que significa isso. Eu não consigo nem expressar. É a gratidão que eu tenho. Todo mundo fala que foi algo merecido, eu não nego mas não é só isso. Lá no dia, eu encontrei uma pessoa que comprou um set e foi sorteada. Muita gente fala que foi pela quantidade de álbuns comprados. Pode ser que eu tenha mais chances, mas não sempre. Então, eu acho que Deus me compensou. Eu não consigo demonstrar sempre como eu estou trabalhando, mas eu gostaria muito. Muitas vezes eu deixo de comer, muitas vezes eu deixo de fazer minhas coisas pra poder embalar os produtos”. Abordada sobre sua interpretação desses momentos felizes com sorteios, ela diz: “O que eu acho que isso significa? Para eu continuar a ser uma empresária humilde. Continuar sempre preocupada com o cliente, como eu estou fazendo agora. E, mesmo crescendo, eu não quero esquecer dessa parte e esse coração que eu tenho agora.”
No fim desta conversa, ela expressou um desejo que tem a partir da KoreanSSamba: “Eu quero muito apresentar [o país] para as pessoas e eu quero ser uma fonte da Coreia para o Brasil. Para eu poder mostrar muita coisa boa para as pessoas conseguirem aproveitar, mesmo não vindo [até a Coreia] procurar. Eu quero ser uma influencer boa que dá energia boa e coisas boas. Eu estou me esforçando muito pra isso”, finaliza Suzzana Shin.
Em abril de 2019, a loja K-Line foi iniciada no Twitter através da administração de Igor Azevedo, 23. “Eu consumia muito K-pop e havia comprado três álbuns em uma promoção de Natal de uma loja, e tinha achado muito interessante todo o processo de compra, visto que eram produtos bem inacessíveis e praticamente inexistentes no mercado brasileiro”, conta. Ao enfrentar dificuldades financeiras, ele teve a ideia de abrir a loja como um meio de continuar no curso superior integral que fazia em outra cidade e, ao mesmo tempo, ter um trabalho, uma vez que um cargo de carteira assinada cobraria uma carga horária incompatível com a rotina de estudante.
Quando indagado sobre como é ser dono de uma loja de produtos de K-pop, Azevedo comenta que um proprietário deve ter alguns atributos para que seja possível gerenciar uma empresa. No caso dele, consumir conteúdos deste gênero musical, que já fazem parte do gosto pessoal, ajuda no trabalho porque auxilia a se comunicar com o público e reconhecer os desejos que os clientes têm em relação a loja, como produtos e promoções. Ao acompanhar a indústria de pop coreano, se torna mais fácil coordenar os negócios e atingir êxito. Para ele, esse aspecto “facilitou muito pois ao estar antenado na indústria, eu tirava de letra o entendimento do mercado”, completa.
Após dois anos trabalhando sozinho, Azevedo formou uma equipe. Isso permitiu com que a rotina de trabalho dele ficasse mais leve, pois não precisava mais coordenar todos os setores da loja ao mesmo tempo. Ele relata as divisões atuais dentro da empresa: “Ainda tenho muitas tarefas, pois a parte logística, financeira e contábil é de toda a minha responsabilidade. Mas setores como atendimento, social media, entre outros, já são delegados e eu apenas faço o monitoramento e aprovações”.
E a rotina dentro da empresa? Como acontecem os recebimentos e envios de produtos? Azevedo informa que a K-line possui uma parceria de trabalho com distribuidoras coreanas que se responsabilizam pela gestão de estoque e envio dos produtos. “Ao comprar em nosso site, redirecionamos os pedidos e o time internacional cuida de todo o resto relacionado ao envio. Da nossa parte, cuidamos em dar o melhor suporte possível no período de pré e pós compra, tratando de todos os assuntos necessários ou que venham a ocorrer durante o processo de compra e envio”, explica. Já se perguntou quais são os produtos mais vendidos? Azevedo responde: “Os álbuns são os produtos mais vendidos, sem dúvidas. Acredito que é devido a simbolizarem uma era e conterem o principal, as músicas. Lightsticks são os mais vendidos em épocas que antecedem shows de grupos no Brasil”.
Azevedo relata sobre as experiências que a K-line trouxe para a vida dele e da equipe, citando as oportunidades e o apreço que receberam. “Já recebemos muito carinho de clientes por todo o Brasil tanto virtual quanto pessoalmente”, comenta. Para Azevedo, as três situações que mais marcaram a história dele na K-line foram: “Quando fui convidado para palestrar no Congresso de Indústria Digital; quando saímos em uma matéria do Estadão; e quando fizemos a primeira edição da K-Night, uma festa presencial em São Paulo para comemorarmos o aniversário de 4 anos da loja”. O que a loja trouxe para ele e o restante da equipe? Clientes, amizades, conexões, oportunidades e experiências? “Posso citar todas essas palavras, sem dúvidas. Tudo isso significa muito, pois de fato abrir a K-Line mudou a minha vida por completo. Tenho 23 anos e não teria metade do que tenho hoje se não fosse por esse empreendimento, que de uma ideia, passou a ser a maior loja da América Latina graças ao apoio e confiança dos nossos clientes”, conclui.
Em 2019, na fila do show do BTS em São Paulo, Nicolly Stolze, 21, percebeu que as fãs estavam usando itens fanmade como: camisetas, copos, pulseiras e bandanas. Ela também notou que muitas pessoas não tinham nenhum produto do BTS, assim como a mesma não tinha. Naquele momento, ela diz ter sentido “uma vontade imensa de poder fazer parte daquilo e de poder levar o BTS e o K-pop a todos os fãs desse país”.
O passo inicial foi dado. Stolze começou a idealizar como seria a loja, os produtos que ela venderia e o que precisava para fazer isso acontecer. Na época, com apenas 17 anos, ela focou o tempo em aprender aquilo que precisava para trazer a loja à realidade: design, produção de camisetas e personalizados, criação de loja on-line e registro de marca. “Foi um longo processo de aprendizado, até que no dia 10 de outubro de 2020 a Hopescolor surgiu oficialmente, após mais de um ano de preparação. Desde então continuo trabalhando sozinha na loja, mas muitas coisas mudaram e agora trabalhamos com a venda de oficiais, que sempre foi o meu grande objetivo e também já fizemos entregas para milhares de clientes em todos os estados brasileiros”, relata.
Stolze revela que ser dona de uma loja de K-pop é um grande desafio. Além de ser uma empreendedora, ela expressa que precisa “fazer o papel como fã e estar antenada a todas as novidades, lançamentos, debuts e basicamente tudo que acontece no mundo do K-pop. Nós [donos de lojas de produtos deste gênero musical] também temos o papel de atualizar os fãs a respeito de tudo isso e interagir de modo que todos possam compartilhar aquele momento, portanto, às vezes é difícil conciliar o trabalho com tantas novidades diárias e centenas de atendimentos que recebo diariamente”. Stolze trabalha no formato home office, então dedica bastante tempo utilizando as redes sociais, fazendo publicações e acompanhando os acontecimentos de cada fandom, até mesmo fora do horário de trabalho. Ela relata que sempre procura conciliar os afazeres fora do ambiente profissional com os da loja.
Já se perguntou como funciona a logística de envio dos produtos? Stolze explicou qual é o trajeto da sua merch até chegar no Brasil: “Nós compramos o produto na Weverse e ele então é enviado para o endereço do nosso fornecedor coreano. Lá, ele embala o produto com bastante plástico bolha e caixas resistentes para que os itens não cheguem avariados no Brasil. Ele gera uma nova etiqueta de envio para o endereço do nosso cliente no Brasil e o envia por k-packet ou navio, os quais são formas de envio que têm baixas chances de serem taxados na receita federal. Nesse caso, as chances são nulas em envios feitos por navio. Portanto, o cliente pode ter uma confiança maior no momento da compra, além de se preocupar menos com a cobrança de taxas”.
A Hopescolor também possui produtos fanmades, porém agora eles estão mais raros na loja porque desde que Nicolly colocou produtos oficiais no site, eles se tornaram os itens mais procurados na loja. Ela conta que foca em buscar o aumento de agilidade no tempo de entrega e diminuição dos preços, que acabam sendo maiores em razão das altas taxas de bancos e plataforma, assim como dos serviços dos fornecedores. No fim, a maior meta de Stolze é ver outras pessoas realizando o mesmo sonho que ela tinha em 2019: ter algo dos ídolos em mãos.
Assim como a Suzzana Shin, da loja KoreanSSamba, Stolze também recebeu a surpresa de ser sorteada para o show “Golden Live On Stage”, entre outros sorteios. “Felizmente já fui sorteada algumas vezes, e sinceramente, tudo ainda é meio surreal para mim, a ficha ainda não caiu!”. Ao ser questionada sobre a experiência de ter a loja e tudo o que aconteceu através dela, Stolze declara que é algo inexplicável: “Não consigo descrever em palavras o significado de tudo isso, não apenas pelos sorteios, mas poder trabalhar com o que eu tanto amo e ter a chance de fazer parte de algo tão especial todos os dias é como a realização diária de um sonho. Antes mesmo de ter sido sorteada em qualquer coisa, eu já me sentia extremamente realizada e feliz por ter a Hopescolor, por ter o apoio e por ter conhecido tantas pessoas maravilhosas. Eu sou infinitamente grata e sempre farei o possível para que eu possa agradecer e devolver aos meus clientes todo o carinho e apoio que eu recebo diariamente, por isso estou sempre fazendo sorteios e dando descontos especiais. Eles merecem!” Ao encerrar o relato, Stolze fala sobre o significado da Hopescolor para ela: “Tudo isso significa a minha vida. Tenho dedicado cada dia da minha vida à Hopescolor pelos últimos quase 4 anos e confesso que não é fácil empreender sozinha tão cedo, mas posso garantir que cada minuto posto neste trabalho vale a pena. Ainda cometo erros, mas sempre estou procurando melhorar e otimizar cada vez o meu trabalho, tenho um grande caminho pela frente. Espero poder trabalhar realizando sonhos por muitos anos. Levar a felicidade aos outros é a realização do meu sonho também”.
Para além dos obstáculos citados pelas fãs no início, o objetivo final é o que importa: quando o produto viaja da Coreia do Sul até o Brasil e chega nas mãos das ARMYs daqui. Para Tonetto, o sentimento é de realização. “Eu cheguei a ficar com as mãos tremendo e sorrindo porque finalmente eu tinha realizado a meta de adquirir o álbum que eu tanto queria”. Lima compara a sensação com o momento em que você consegue ir em uma exposição e ver um quadro que tem um significado especial, dizendo ser: “um mix de sensações como pegar um álbum de fotos de alguém que eu amo”. Medeiros caracteriza os produtos como uma experiência: “É muito prazeroso abrir um álbum e ver todo o projeto gráfico, as inclusões. Eu gosto muito da possibilidade de comprar as versões random e ter aquela expectativa sobre qual membro vai vir. Apesar de não colecionar photocards de um membro específico, eu não costumo vender os que vêm nos álbuns, então acho muito legal aquele momento que você vê qual [membro] é. Acho que como toda coleção, é um prazer pessoal muito grande você receber um item que queria muito e olhar tudo juntinho na estante, é um valor sentimental grande”. Figueiró sumariza a aquisição como uma sensação de acolhimento e pertencimento, e diz que: “o carinho e o amor que sinto por eles reacende quando vejo e recebo algo deles”. Da Coreia até o Brasil, após o trajeto de 17 mil quilômetros, um fragmento da história do BTS chega na casa de uma ARMY, para ser armazenado na estante e no coração.
REFERÊNCIAS
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