Autora: Nathália Escobar
Revisão por: Ariely Medeiros e Mariana Castro
Oi Visuais, tudo bem com vocês? Espero que estejam todos bem!
Estamos trazendo mais um texto, um pouco diferente do que vocês estão acostumados de ver aqui no painel. Viemos falar sobre os anúncios que tomaram o espaço público das cidades.
Primeiro, precisamos explicar alguns pontos importantes. Como por exemplo: o que é o espaço público? Como o visual da cidade interfere na vida das pessoas? Como o marketing se apropria dessa maneira de fazer propaganda?
Talvez a resposta mais prática seja para a primeira pergunta. Os espaços públicos são locais onde o poder público possui responsabilidade, ou seja, são territórios dentro das zonas urbanas ou rurais de uma cidade capitalista considerados de uso comum, para toda a população.
Segundo Gonçalves (2015), o transporte coletivo, assim como as estações e as suas praças, é pertencente ao espaço público e Santos (2018. p.48) pode complementar dizendo que “[…] o espaço público tem seu potencial de promover encontros e troca, e, consequentemente, seu sentido social, civil e político […]”.
No urbanismo, dentro da discussão sobre as cidades e a mobilidade urbana, é compreendido que o sistema não é justo para todos, pois se entende que esse modelo só funciona para um gênero e classe social em específico dentro do sistema patriarcal e capitalista. Portanto, esse assunto não deve ser apenas abordado no âmbito público, mas também na escala privada.
Já a resposta de “como a imagem da cidade interfere na vida das pessoas?”, também não é algo fácil. Muitos arquitetos e urbanistas discutem sobre o assunto, e atualmente, até mesmo neurologistas, na área da neuroarquitetura.
Sendo mais sucinta, a cidade interfere na percepção, autonomia, segurança, saúde e até mesmo nas relações humanas, e é claro, afeta também a flora e a fauna. (CULLEN, 1996; JACOBS, 2011; GEHL, 2013)
Por ela interferir e causar um efeito tão grande, Cullen (1996) escreve que o esforço dos técnicos, engenheiros, sociólogos, urbanistas e tantos outros, estão empenhados em inventar e reinventar as novas “soluções científicas”, que são técnicas, equipamentos, estruturas e materiais, de uma forma que seja funcional, viável e saudável. Ele continua falando que
“[…] se a cabo de todo esse esforço a cidade se apresenta monótona, incaracterística ou amorfa, ela não cumpre a sua missão. É um fracasso. É como empilhar lenha para uma fogueira e esquecer de lhe deitar fogo.”
(Cullen, 1996. p. 10)
Ele explica que a cidade precisa ter os seus ritmos, características ou estruturas e que os técnicos ao propor as suas “soluções científicas” não forneçam “soluções taxativas” visto que dentro do urbanismo, toda criação pode ser colocada em prática dentro de uma cidade. E o que pode exemplificar isso, é o filme francês chamado “Mon Oncle” (Meu tio, em português) de Jacques Tati.
No filme, ele mostra que dentro de uma cidade, separada entre bairro tradicional e moderno, a distinção dos espaços se encontra em suas características, por cores, texturas, sons, movimentos dos atores e cenários. Como vemos na imagem 02, o bairro tradicional é cheio de texturas (isto sendo os adornos que compõem a fachada), com aparência envelhecida e desgastada, com uma pequena variedade nas cores, mesmo que sutil. Além de se observar os prédios mais altos com alguns letreiros e na rua, com as crianças, o cachorro e o ciclista ao fundo.
Enquanto na imagem 03, no bairro moderno, a cor dominante é o cinza, para caracterizar a modernidade, sem muitas texturas e com o cenário próximo ao pavimento térreo, além de acrescentar elementos de trânsito, como o semáforo, placas de sinalização e as faixas de trânsito, e é claro, apenas cachorros na rua.
No bairro moderno, as pessoas pouco andam a pé, o uso do carro é frequente e, observando a calçada estreita, que apenas interliga as portas de entrada da casa, não acolhe os pedestres. Sendo um exemplo de desestimulação do uso das calçadas, o que acaba afetando o fluxo, além de não proteger o pedestre, o qual pode acabar por invadir o leito carroçável¹.
Portanto, é possível compreender que as “soluções científicas” colocadas no filme, como o aspecto das fachadas ou a cor cinza para distinguir os bairros, podem ser um exemplo do que ocorre no tecido urbano, onde em cada pedaço dele existe uma característica ou identificação do espaço das cidades. Mesmo que sejam ou não problemáticas.
“Mon Oncle” mostra os visuais e ritmos diferentes de cada bairro e muitos urbanistas, como Jane Jacobs, já apontaram como sendo algo indispensável em uma cidade pois
“As ruas e suas calçadas, principais locais públicos de uma cidade, são seus órgãos mais vitais. Ao pensar numa cidade, o que lhe vem à cabeça? Suas ruas. Se as ruas de uma cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante; se elas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona”.
(Jacobs, 2011. 30f).
Bem, se você chegou até aqui, a pergunta sobre “O que a cidade tem a ver com o marketing?” pode ser explicada com Kotler e Keller (2012. p.77): ”As empresas devem monitorar seis importantes forças macroambientais: demográfica, econômica, sociocultural, natural, tecnológica e político-legal.”
Portanto, na escolha dos locais de propaganda, o marketing precisa formular antes de tudo um estudo preliminar, no qual os conceitos urbanos são levantados, como o zoneamento, perfil da população ou consumidor e, é claro, a mobilidade e o fluxo de pedestres e de veículos. Com as parcerias comerciais do BTS não é diferente, elas seguem a mesma lógica.
Exemplo disso é uma certa praça em Londres (Imagem 04), conhecido pelas suas propagandas. O local, em frente à grande tela curvada, consegue acolher uma grande porção de pessoas, porém ainda assim existe uma necessidade de tomar cuidado com o leito carroçável, para não ter nenhum bloqueio no trânsito. Com certeza a Piccadilly Circus não é um lugar monótono.
Podemos considerar também que, no século XXI, o uso da internet é fundamental para propagação da informação e os lugares turísticos também entram nessa história. As escolhas desses locais dependem não somente das vantagens de ter um grande fluxo de pessoas, do seu zoneamento ou de sua “jornada do consumidor” (Imagem 05), mas também do orçamento disponível para a publicidade, afinal, uma escolha errada pode tornar o investimento perdido.
Na propaganda da “Speak Yourself Tour” em 2019 (Imagem 06 e 07) que passou no Brasil, se entendeu que o público utiliza mais o transporte público do que o particular. Por isso, além das redes sociais, as estações de metrô em São Paulo (SP) foram escolhidas para divulgar a venda de ingressos.
Além do objetivo de compra e venda, os anúncios também são formas de comemorar aniversários dos membros do BTS. Aqui no Brasil, a fanbase Park Jimin Bar, para comemorar o aniversário do Jimin, escolheu a linha amarela do metrô de São Paulo para expor um banner (Imagem 08).
Segundo Nathalia Durval e Marina Consiglio (2018), o valor do painel de 3,75m x 1,25m para ser exposto por um mês (entre os dias 12 de outubro e 12 de novembro) teve um valor de cerca de 15 mil reais.
Já em 2019, a fanbase Jungkook China financiou painéis (Imagem 09) em duas paradas de metrô. Segundo Durval (2019), na cotação dos aluguéis de painéis, o valor durante um mês é de mais de 40 mil reais, sendo o banner de 7m x 2,40m por 8.285 reais na Faria Lima e na Luz, um painel de 7,90m x 1,90m custou 32.544 reais.
Outro exemplo de divulgação é o uso da técnica Video Mapping (projeção mapeada) que utiliza superfícies como telas de projeção. Para essa técnica, são usadas projeções indoor (interna), que são feitas em ambientes mais controlados, como uma sala ou um estúdio. E as projeções outdoor (externa), em que os cenários urbanos são usados, como as fachadas dos prédios, árvores, mobiliários urbanos, etc (GARCIA, 2014).
Para Gomes e Vilas (2020), a técnica de projetar em superfícies já existe desde o primeiro experimento com a câmera escura². Entretanto, apenas a partir do século XIX foi criado o projetor que conhecemos hoje. Eles escrevem que:
“Muito mais do que apenas ampliar uma imagem, as projeções estão diretamente ligadas à difusão de arte, cultura e informação. Se antes cinemas, teatros e centros culturais eram os ambientes que mais promoviam essa experiência, hoje as ruas também cumprem essa função, especificamente nas fachadas de prédios”.
(Gomes; Vilas, 2020).
As projeções são uma forma de manifestar e expressar os anseios e opiniões. No artigo de Gomes e Vilas (2020) é falado que as imagens projetadas nas fachadas chamam a atenção dos moradores, que reagem “com palmas e gritos como formas de apoio”. Os autores completam que, para quem não mora na redondeza, é possível visualizá-las através dos registros nas redes sociais.
A fanbase Army Help The Planet com a campanha “Tira o Título Army”, em 2021, tinha o objetivo de incentivar o ARMY entre 16 e 18 anos a emitir seu título de eleitor.
Junto com o grupo Projetemos, em abril de 2022, as projeções das fachadas ocorreram em diferentes capitais do Brasil: Belém (PA), Brasília (DF), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
É possível perceber que a escolha dos locais das projeções foi cuidadosa, pois os edifícios com mais de quatro pavimentos deram à fanbase o que alguns artistas chamam de “uma folha de papel em branco” ao se referir a liberdade criativa dentro de um espaço limitado.
A escolha das empenas cegas³ possibilitou que, por conta das proporções das palavras e figuras, como na imagem 13, não tivesse uma poluição visual que dificultasse a visualização. A própria imagem se apropriou da parede, que no momento da projeção foi vista em tamanho maior e por mais pessoas do que um painel na estação de metrô, por exemplo.
Outra publicidade foi a parceria com o Spotify, que adotou diferentes formas de anunciar o álbum antológico “Proof”. A promoção não aconteceu só no Brasil, mas também em outros países no mundo. Com os dados coletados até junho de 2022, com cerca de 25.8 bilhões streams na plataforma, 35 milhões de ouvintes mensais e 50 milhões de seguidores pelo mundo todo, é dito que o ARMY ajudou o BTS a bater recordes como o primeiro artista asiático e do K-pop a se juntar à playlist “Spotify Billions Club” com a música “Dynamite”.
Com a hashtag #SpotifyPurpleU, eles explicaram que as cinco músicas mais tocadas são “Dynamite”, “Butter”, “Boy with Luv”, “My Universe” e “Fake Love”. E entre os dez países que mais dão stream, o Brasil aparece em 6º lugar.
Para a promoção de “Proof”, também foram utilizados painéis digitais em edifícios altos. O Spotify esperava a repercussão com o fandom, que além de tirar fotos dos anúncios, acessava o link que aparecia em um QR code, colocado ao lado ou acima do logotipo do BTS.
Ainda sobre os painéis digitais, na Coreia do Sul os painéis curvos (Imagem 15) são chamados de Flexible LED Screen (Tela de LED flexível), que possibilitam acompanhar a estética do edifício. A psicologia ambiental diz que a percepção visual e os cantos arredondados, são considerados mais agradáveis e bonitos do que os de cantos retilíneos.
Já na imagem 16, na Tailândia, a escolha do turístico shopping EmQuartier, é diferente de outros prédios, pois utiliza a própria fachada de vidro como painel digital, não sendo necessário nenhum tipo de adaptação estrutural para a instalação de painéis, como foi feito por exemplo na Indonésia (Imagem 17).
O interessante no caso do edifício de escritório “Wisma Bumiputera” na Indonésia é o uso do painel de LED Videotron, conhecido por LED Screen Billboard (tela de LED publicitária) que, diferente da tela flexível, é um painel rígido. A moldura metálica (Imagem 18) cria texturas como uma escultura de baixo relevo, destacando os contornos da forma, fazendo um jogo com a profundidade para quem olha de longe.
Já no Brasil, México e Japão, as propagandas foram um pouco diferentes. No Japão (Imagem 19) foram utilizados displays indoor, isto é, telas digitais no interior de um edifício.
No México, foram utilizados painéis estáticos, não digitais, como é possível perceber na imagem 20. Porém, no caso da banca (Imagem 21), nota-se que, além do painel, foi feito um envelopamento ao redor deles, sendo perceptível o cuidado com a estética. Isso faz com que a propaganda seja chamativa e não apenas algo pontual e discreto.
O Brasil, diferente dos outros países, adotou apenas o adesivamento nas portas de segurança, também no metrô de São Paulo (Imagem 22). O interessante é perceber que as propagandas no Japão, México e no Brasil, por estarem mais próximas ao chão, a nível do pedestre, permitiram que os fãs interagissem com as imagens, tirando fotos ao lado da logo.
Em resumo, para entender como o espaço público e o marketing estão ligados com o visual da cidade, é preciso compreender primeiro que o assunto pode se estender muito, começando por como o espaço público está ligado com as questões de economia, raça, gênero, escolaridade e o deslocamento da população. Também é importante observar como a percepção da cidade é diferente para cada pessoa e, por isso, o marketing precisa analisar o seu público-alvo para saber a melhor localização dos anúncios.
No caso das parcerias comerciais com o BTS, além dos aspectos urbanísticos e seus moradores, foi estudado o próprio ARMY como público-alvo.
Os locais que as marcas e as fanbases escolheram também são determinantes para entender o tipo de formato do anúncio, não apenas com os telões, adesivos e painéis, mas também através de totens (esculturas).
A parceria do YouTube para promover a hashtag #MyBTStory atraiu os fãs, despertando a curiosidade apenas com a divulgação das localizações, que se tratavam de locais públicos com fácil acessibilidade.
Conforme enxergamos na imagem 24, o uso do marketing regional aliado ao digital pode fazer com que a pessoa participe ativamente da propagação da informação, como podemos exemplificar ao falar sobre “espaço instagramável”.
E embora esse texto não tenha se aprofundado ao falar sobre os visuais, uma vez que o objetivo foi apresentar os diferentes tipos e formas de anúncios relacionados ao BTS, é preciso entender que as cidades urbanas e a mobilidade com seus tipos de deslocamento também englobam a vivência social, já que muitas pessoas passam seus dias em um transporte público. Os brasileiros, em específico, passam em média 32 dias por ano no trânsito (OLIVEIRA, 2021).
Por parte da arquitetura e urbanismo na pós-modernidade, Harvey (2008) compreende que no território urbano das cidades há um caos de discursos e teatralidade, com diversas complexidades e ficções na comunicação e na estética do “tecido social urbano”.
Com a internet, esses discursos são potencializados. Esse caos e fragmentações dentro das cidades, a pluralidade na comunicação e práticas sociais seguem dentro do sistema da lógica do mercado. E a arquitetura, com seus visuais e discursos, não foge disso.
Para reforçar, os visuais de uma cidade não dependem somente das estratégias de marketing do setor privado, mas também das decisões governamentais e do desenho urbano. A responsabilidade ao elaborar critérios e legislações que lidam com a paisagem urbana é do setor público e a sociedade civil precisa participar das tomadas de decisão, pois a estética e os visuais urbanos afetam a população como um todo, não somente um alvo específico.
Por fim, existem ainda alguns estudos de caso que podem ser explorados futuramente, como as cidades de Las Vegas, nos Estados Unidos, e Busan, na Coreia do Sul, que transformaram suas ruas com pequenas e grandes ações para receber e acolher o ARMY.
Me deixem saber se vocês querem que eu traga esse assunto com mais profundidade. Espero que tenham gostado e desejo muito amor para a vida de vocês.
I Purple You 💜
Glossário:
¹ Leito Carroçável: Parte da rua destinada a passagem e/ou permanência de veículos, podendo ser ou não asfaltada.
² Câmera Escura: É um experimento precursora da fotografia, datado no século XIX, que é uma caixa com um orifício (buraco) em uma das faces no qual na face paralela é fotossensível, ela emite uma imagem invertida na superfície escolhida a ser projetada.
³ Empena Cega: São paredes externas de um prédio onde não tem nenhuma abertura, seja porta ou janela, são chamadas também como “paredes lisas”.
Referências:
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