O contador de histórias: Um estudo sobre como j-hope utilizou o mito de Pandora e o brinquedo Jack in The Box na construção do seu primeiro álbum solo

Luna Silva e Yasmin Chung
Revisado por: Ariely Medeiros e Mariana Castro

Caixa de Pandora: o mito de Pandora e paralelos com o artista j-hope

Em “Jack In The Box”, j-hope faz algumas referências para relacionar a história que ele e seu álbum estão contando. Uma delas é o mito da Caixa de Pandora, que foi transmitido pelas obras “Teogonia” e “Os Trabalhos e os Dias”, de Hesíodo. Assim como outros mitos gregos da Antiguidade, não existe uma só versão dele, já que a história era passada oralmente. No entanto, existem alguns pontos principais que se mantêm na maioria de suas versões.  

Geralmente, o conto começa com Prometeu ensinando aos humanos a arte de criar o fogo. Esse pequeno ato desencadeia uma série de acontecimentos que dariam origem ao mal do mundo. Quando Zeus descobriu, ele ficou furioso e como vingança preparou uma punição não só para Prometeu e sua família, mas para toda a humanidade.

O deus ordenou que outros olimpianos criassem a primeira mulher e dessem características que a fizessem irresistível. Ela é mandada para o irmão de Prometeu, o titã Epimeteu, que fica encantado com a moça e se casa com ela. Como presente de casamento Zeus dá uma jarra ao casal, com a ordem de que não deveria ser aberta. Contudo, Pandora não aguentou a curiosidade e acabou abrindo o objeto, liberando todos os males pelo mundo e tirando a esperança que estava dentro da jarra. Com a liberação do mal, chegou ao fim os tempos de inocência da Idade de Ouro. 

Figura 1: Lawrence Alma-Tadema, aquarela de uma ambivalente Pandora, 1881.
Fonte: Wikipedia 

j-hope traz sua própria versão da história de Pandora com a primeira faixa de “Jack In The Box”, chamada “Intro”. Como o nome já diz, é uma introdução ao álbum e na realidade não é uma música, mas sim uma narração da parte final do mito de Pandora. A narradora nos conta que, quando Pandora estava em desespero por ter soltado os males da caixa, uma pequena criatura saiu dela e a circulou, o que a fez se sentir melhor. Esse lindo ser era a esperança, que deu à humanidade o desejo de continuar vivendo mesmo com todo o mal do mundo. 

Era a esperança que estava guardada no recanto mais íntimo da caixa
Se arrastou atrás do miasma da escuridão
Amenizando seus efeitos nocivos sobre a humanidade”

— j-hope,“Intro”

Essa faixa abrir o álbum diz muito sobre a história que j-hope quer contar: ele é a esperança da caixa. Chamada “Pandora’s box”, a segunda música do álbum só fortifica essa correlação entre o mito de Pandora e o artista, pois começa com ele afirmando que é a esperança da história de Hesíodo e que o nascimento da sua persona veio com Pandora.

j-hope segue contando como a esperança é um raio de luz que estava na caixa e que esse raio foi colocado em um garoto puro, ele mesmo, emoldurado para se tornar a esperança do Bangtan. Como toda a sua imagem artística é baseada nisso, ele questiona durante a música se esse é o seu único propósito. Fala sobre a curiosidade, o pecado de Pandora, as dezenas de tentações devido aos males que ela soltou e de como depois de olhar dentro da caixa ele acredita no seu título, porque o mundo precisa de esperança, precisa do j-hope.

“A Caixa de Pandora foi mencionada, e a última coisa que restou na caixa foi esperança. Então, ficamos repetindo “hope”. Olhando para trás, acho que o nome foi a escolha certa. E eu acho que o nome me tornou quem eu sou.”

ㅡ Jung Hoseok

O brinquedo Jack-in-The-Box: sua história e relação com o álbum “Jack In The Box”

“Jack In The Box”, o título do álbum solo de j-hope, origina-se do brinquedo de mesmo nome, o qual consiste em uma espécie de caixinha de música que, ao terminar de tocar sua melodia, um palhaço salta de dentro dela.

A história desse brinquedo, Jack-in-the-box, remonta à Idade Média. Tem-se na tradição que em meados do século XIII, John Schorne, clérigo inglês, havia aprisionado um demônio dentro de uma bota para proteger a vila de North Marston. Acredita-se que esse conto popular, junto de suas pinturas, podem ter sido inspiração para os artesãos de brinquedos.

Os primeiros brinquedos eram feitos sob encomenda, portanto, o acesso restringia-se à nobreza. Eram confeccionados em madeira e tinham como representação um demônio caricato, o qual se tornou um palhaço durante o Renascimento. Durante o século XVIII, o desenvolvimento da manufatura possibilitou a popularização do Jack-in-the-box. Além disso, o boneco dentro da caixa se tornou uma imagem popular entre os cartunistas, os quais se utilizavam deles para fazer caricaturas de políticos da época.

Tendo os primeiros bonecos do brinquedo como figuras de demônios, criaturas ligadas à obscuridade, é possível relacioná-los com o trabalho do artista, uma vez que, em entrevista, j-hope compartilhou seu desejo por mostrar uma outra faceta de si, oposta à imagem sempre feliz e positiva já consolidada:

“Claro, aquele que lidera a mim e a minha equipe, é o radiante, enérgico e otimista j-hope. Mas pensei que era tempo de mostrar que esse lado meu também existe.”

 j-hope

Pode-se inferir que nossa percepção sobre as coisas, muitas vezes, dá-se pelo contraste delas. Sabemos o que é silêncio ao experimentarmos a ausência do barulho, o que é tristeza, pois conhecemos a alegria, identificamos o iluminado uma vez que temos consciência do que é a escuridão. E vice-versa.

j-hope traz isso em “Jack In The Box”. A estética mais escura nas fotos conceituais, o figurino e a maquiagem monocromática, tudo isso converge para as intenções do artista: mostrar que ele, apesar de ser alguém que representa a esperança, também possui uma sombra, uma obscuridade.

Figura 2: Foto conceitual “Jack In The Box” versão 1
Fonte: Weverse

j-hope: como o músico pega história de outros e as transforma em suas próprias

O seu novo álbum traz esse lado mais sombrio de j-hope e as relações que ele faz com suas duas personas, mostra essa faceta dele com mais clareza. O brinquedo Jack-in-the-box tem essa origem obscura onde os primeiros bonecos eram demônios, e a esperança da caixa de Pandora não é algo que pode ser confirmado como inteiramente boa.

Daniel Ogden traz uma reflexão que a esperança estava na caixa como algo ruim, usado apenas para combater outro mal. A prova dessa teoria é que a caixa foi feita para conter males e, como a esperança estava nela, ela também é um mal sendo contido.

Essa visão traz um lado sombrio para a persona j-hope que estamos acostumados de outros trabalhos solos do artista, como o da mixtape “Hope World”, em que ele se apresenta como esperança e felicidade.

Podemos ver como proposital a comparação que ele faz de si mesmo com essas duas histórias, visto que ambas são multifacetadas e apresentam opostos de luz e escuridão. Utilizando-as para fazer essa relação com ele, é uma forma genial de mostrar quem o artista é pelas entrelinhas dessas outras histórias. 

Ele conta sua própria narrativa de um jeito tão imersivo que, no final das contas, não é mais o j-hope fazendo paralelos com o brinquedo e com a “criatura” de um mito grego, mas sim Jack in the Box e a Esperança, que são o j-hope.

Conclusão

Quando o artista comenta a origem de seu nome, j-hope, ele cita Jack-in-the-Box e a Caixa de Pandora. Ele fala sobre as músicas que já produziu e que, se todas estivessem em uma caixa, esse seria o momento de libertá-las. 

“As músicas que já produzi, como “Hope World”, “Chicken Noodle Soup (feat. Becky G)”, “Blue Side”, as diferentes faixas da mixtape, se todas essas músicas estivessem dentro de uma caixa, é hora de as deixarem.”

 j-hope

Dessa maneira, quando a caixa se abre, as músicas são liberadas. O boneco de Jack-in-the-box também salta para fora dela. No caso de j-hope, o palhaço com vestes monocromáticas, que o representa.

“Eu queria compartilhar essas histórias e também mostrar outro lado meu, nas sombras que senti enquanto trabalhava.”

j-hope

Seria “Jack In The Box” a Caixa de Pandora de j-hope?

Referências:

2 respostas para “O contador de histórias: Um estudo sobre como j-hope utilizou o mito de Pandora e o brinquedo Jack in The Box na construção do seu primeiro álbum solo”

  1. cara, isso aqui ficou incrível!!! eu sou completamente apaixonada por mitologia e pelo Hoseok e, como vocês bem mostraram aqui, ele trouxe um conceito genial! parafraseando que vocês disseram para fincar em minha mente, “dentro da caixa não só saem os ‘males’ como o próprio Jack”, incrível.

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