Boy With Luv: Behind The Shooting – Uma experiência de pesquisa

Julio Cezar Neto [JCZИ]
Revisado por: Equipe Revisão
2ª Revisão: Julyanna Ribeiro

Com o texto “No More Dream: Behind the Screen” abordando as diferenças entre dance practice, choreography version e m/v, hoje quero levar vocês ao ponto de partida da minha pesquisa: os movimentos de câmera dos m/v’s de K-Pop. 

Me formei em Publicidade e Propaganda e no meu TFG (Trabalho final de graduação) analisei frame by frame de 4 music videos sendo um deles o “Boy With Luv — BTS”. Apresentarei para vocês o meticuloso processo que desenvolvi para analisar os music videos em minha pesquisa, na qual buscava entender quais eram os movimentos de câmera mais utilizados e quantas vezes estes movimentos se repetiam nestes m/v’s.

M/V “Boy With Luv”

Antes de tudo, é preciso entender de que forma cheguei à escolha de analisar “Boy With Luv”. Para definir quais m/v’s seriam analisados adotei o critério de popularidade com base em visualizações no YouTube, visto que seria impossível analisar todos existentes até o presente momento. 

O m/v de “Boy With Luv” ganhou notoriedade por conta dos recordes de visualização quebrados em sua estreia, quando se tornou o vídeo mais visto nas primeiras 24 horas do dia 19/04/2019, alcançando um total de 74,6 milhões de visualizações. Percebi diante deste contexto, que a presença deste music video em minha pesquisa era imprescindível.

Até chegar ao momento de analisar o m/v, foi importantíssimo construir um referencial teórico em que eu pudesse compreender o contexto sul-coreano, iniciando pela história do país como um todo, percorrendo o contexto audiovisual da Coreia do Sul até a história do K-Pop. 

Também sobre audiovisual, abordei a linguagem videoclíptica e linguagem audiovisual, sendo este o mais extenso, pois estava diretamente conectado com minha análise. Utilizei autores que retratam definições e conceitos acerca dos movimentos de câmera, tanto na parte prática, sobre a mecânica dos movimentos em si, como também na teoria, abordando o significado que existe por trás da mecânica dos movimentos de câmera presentes nestes m/v’s.

Mover a câmera é muito mais do que apenas ir de um quadro a outro. O movimento em si, o estilo, a trajetória, o ritmo, e o timing em relação à ação, tudo contribui ao estado de espírito e à sensação da cena. Eles adicionam subtexto e conteúdo emocional independentes do tema (BROWN, 2012, p. 210).

E por qual motivo escolhi o termo “movimentos de cena” ao invés de “movimentos de câmera” para o título do meu TFG? Para isso, precisamos entender a diferença entre os dois termos. Os movimentos de câmera são produzidos a partir da própria câmera, podendo ser tanto físicos (travellings, panorâmicas, roll, trajetória entre outros) quanto ópticos (no qual estão presentes o zoom in e out). Importante ressaltar que é possível criar também uma interação entre movimentos físicos e ópticos. 

Já o termo “movimentos de cena” são definidos por Baptista (2016) entre primários, secundários e terciários. Os movimentos de cena primários são os movimentos de algo ou alguém em frente a câmera. Já os secundários são movimentos de câmera físicos e ópticos. E por fim, os movimentos de cena terciários são os aplicados na edição. 

Deste modo, o termo “movimentos de cena” agrupa nas três categorias exatamente a essência dos m/v’s, a relação entre performance do grupo, movimentos físicos e ópticos de câmera e movimentos aplicados e/ou simulados na edição.

Para organizar como seriam analisados os music videos, eu e a Dr. Michele Kapp, minha orientadora na pesquisa, elaboramos 4 categorias de análise: A primeira é a dos movimentos de aproximação e afastamento, que contemplam o travelling, podendo ser in, out, up, down e lateral e zoom in e out, movimentos físicos e ópticos respectivamente. A diferença entre o travelling e zoom é que “entre um zoom in e um travelling in existe a mesma diferença que há entre se aproximar para olhar e permanecer onde se encontra munido de um binóculo” (JULLIER E MARIE, 2009, p. 33). 

Na categoria denominada passeio, está presente o movimento panorâmica, que pode ser tanto horizontal como vertical e que em uma explicação simples, podemos relacionar com o movimento de nossa cabeça, tanto para os lados como para cima e para baixo, mantendo  o restante do corpo estático. Já a trajetória é descrita por Martin (2011), como a interação entre um travelling e uma panorâmica. 

Na categoria variação de ângulo, estava presente o movimento roll, que consiste no movimento em torno do eixo da própria lente (ZOOM MAGAZINE, 2019). A última categoria de análise foi denominada de “edição”, na qual estão presentes todos os movimentos que foram produzidos na pós-produção do m/v. 

É preciso lembrar que a edição possibilita potencializar os movimentos já produzidos na captação a partir de key-frames, no qual Gomide (2013, p. 15) explica que, “na animação por keyframes são utilizados quadros-chave (keyframe), […], onde se dão valores a parâmetros envolvidos no movimento, como posição, cor, ou o que quer que possa variar com o tempo”. Porém, nesta análise os movimentos, independente de sua origem, foram deixados nas categorias já estabelecidas.

Vídeo sobre simulação de movimentos de câmera na edição.

Iniciando a análise frame by frame, o método que desenvolvi para analisar os music videos foi importando os videos no Adobe Premiere Pro a fim de cortar por cima dos cortes originais, permitindo assim, iniciar a análise pela contagem dos planos do m/v. 

Imagem 1: Timeline – Análise – “Boy With Luv — BTS”

Uma dica para quem não possui o Adobe Premiere Pro ou qualquer outro software de edição de vídeo em seu computador é que o YouTube permite que o usuário consiga explorar o vídeo frame by frame utilizando as teclas ‘ponto’ para avançar um frame e ‘vírgula’ para retroceder um frame. Então agora todos vocês poderão visualizar mais detalhadamente todo o universo dos m/v’s de K-Pop.

Enfim entrando na análise, o music video de Boy With Luv possui uma duração de 04 minutos e 12 segundos e foi publicado no canal oficial da Big Hit Entertainment (atual HYBE Entertainment) no dia 12 de Abril de 2019. Produzido pela produtora audiovisual sul-coreana Lumpens, e dirigido por Yong Seok Choi, o m/v conta com 110 planos no total, sendo que em 79 podemos visualizar a presença de movimentos de cena secundários e terciários e em 31 planos a câmera permanece fixa. 

Os movimentos percebidos variam entre travellings em todas as direções já citadas, zoom in e out, panorâmicas horizontais e verticais e movimentos aplicados na edição. O movimento roll não foi percebido ao longo da análise.  

Entre os movimentos de aproximação e afastamento, o travelling foi observado 62 vezes em 52 planos. Sim, por vezes há mais de um movimento no mesmo plano, sendo necessário analisar com bastante atenção cada plano para visualizarmos quais movimentos são produzidos. 

Foi possível observar o travelling in 20 vezes, travelling out 26 vezes, travelling up 2 vezes, travelling down 1 vezes e o travelling lateral 13 vezes. 

No GIF abaixo, o grupo durante a performance faz o movimento de chute no ar e imediatamente a câmera recua em um travelling out, demonstrando uma resposta do movimento secundário ao movimento primário.

GIF – 01 – Travelling Out

Aqui estão os exemplos de outros travellings percebidos ao longo do m/v.

GIF – 02 – Travelling In
GIF – 03 – Travelling Lateral
GIF – 04 – Travelling Up
GIF – 05 – Travelling Down

É comum vermos no K-Pop a utilização de equipamentos como  estabilizadores de mão e também gruas estabilizadas com capacidade de serem controladas remotamente pelos profissionais, permitindo que sejam aplicados diversos movimentos simultaneamente durante as performances dos grupos. 

A capacidade da grua “precipitar-se” dramática e fluentemente pode ser usada para alcançar um efeito arrebatador e energético; mais do que qualquer outro tipo de movimento de câmera, ela é capaz de realmente ‘dançar’ com os personagens ou a ação (BROWN, 2012, p. 215).

Quanto ao zoom, foi possível percebê-lo 32 vezes em 27 planos, sendo que o zoom in se repetiu 16 vezes e o zoom out também 16 vezes. Neste zoom in utilizado de exemplo abaixo, há uma variação abrupta da distância focal, que pode ser chamada de punch-in/out. Para Brown (2012, p. 214, grifo do autor), “um punch-in significa que a câmera permanece onde está, mas emprega-se uma objetiva de longo alcance focal ou aumenta-se o zoom para alcançar o plano mais fechado”. Do inglês, o termo punch em uma tradução direta significa “soco”. Deste modo, podemos relacionar o termo com uma variação abrupta da distância focal, podendo ser tanto um zoom in como também out.

GIF – 06Zoom In – Aqui há uma variação abrupta da distância focal, caracterizando o termo “punch” utilizado pelo autor.
GIF – 07Zoom Out – Aqui também há uma variação abrupta da distância focal, caracterizando o termo “punch” utilizado pelo autor.

Na categoria denominada passeio, foram identificadas panorâmicas horizontais e verticais, como também o movimento de trajetória, sendo que as panorâmicas se repetiram 14 vezes em 14 planos, consistindo em 7 horizontais e 7 verticais. O movimento trajetória foi observado 5 vezes. Na categoria de variação de ângulo, o movimento roll não foi produzido.

GIF – 08 – PAN Horizontal
GIF – 09 – PAN Vertical
GIF – 10 – Trajetória

Em determinados momentos do m/v há movimentos de câmera que são complexos de analisar, pois a câmera parece percorrer várias direções ao mesmo, não deixando claro apenas um movimento. Para analisar o plano abaixo, foi preciso observar todos os frames de forma minuciosa para poder entender quais eram os movimentos que estavam sendo executados.

GIF – 11 – Movimento Complexo

Na última categoria de análise, os movimentos de cena terciários, ou seja, aplicados na edição, foram identificados 9 vezes, sendo que em 6 vezes foi percebido o uso de Chroma Key.

GIF – 12 – Chroma Key – Edição

Para uma melhor visualização dos resultados gerais da análise, o gráfico a seguir foi produzido para expressar visualmente a presença dos movimentos, sendo que os mesmos aqui apresentados já estão inseridos em suas categorias de análise estabelecidas anteriormente.

Gráfico 1 — Fonte: Julio Cezar Neto

O método que elaborei para organizar, contabilizar e posteriormente descrever os movimentos ao longo do m/v foi totalmente manual. Em um caderno, enquanto assistia ao music video no Adobe Premiere Pro, eu anotava em cada linha um plano, primeiramente o número e ao lado os movimentos executados neste plano. 

Após esta etapa, o próximo passo foi contabilizar, sendo assim, com canetas coloridas assinalei os movimentos e os agrupei por cores, pois facilitaria a visualização dos resultados.

Imagem 2 – Caderno de Análise
Imagem 3 – Caderno de Análise
Imagem 4 – Caderno de Análise

Desde que conheci o K-Pop em meados de 2017, sempre me chamou a atenção a forma como a câmera se comportava em cena com o grupo, pois percebo que há uma relação romântica entre os movimentos primários, secundários e terciários nos m/v’s de K-Pop. Relação essa que faz a câmera praticamente não permanecer estática durante o music video. 

Outro ponto interessante disto que denomino como relação, é o fato dos movimentos secundários e terciários serem utilizados para potencializar os movimentos primários, ou seja, câmera e edição reagem de forma enérgica as ações da coreografia. 

Para finalizar, quero deixar uma citação final de Blain Brown, um dos autores mais importantes da minha pesquisa.  Para Brown (2012, p. 211), “o movimento de câmera é quase como o ritmo de uma música. Um movimento de grua pode ‘planar’ quando o ritmo de uma música se torna mais intenso, ou a câmera pode dançar com a energia do momento”.

GIF – 13 – Performance – Grua

E aí! Vão conseguir assistir aos m/v’s da mesma forma que antes? Espero que tenham gostado do texto que produzi para vocês, pois o meu desejo é despertar em todos o gosto por este imenso mundo dos movimentos de câmera dos music videos de K-Pop que está aí para ser explorado. #Fighting

REFERÊNCIAS 

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