Juliana Follador
Revisado por: Brunna Martins e Julyanna Dias
2ª Revisão por: Maria Skolute e Mariana Parolini
A equipe do Painel VISUAL mandou um beijo para vocês, mas hoje quem vai conversar um pouquinho mais sou eu, a Juliana, arquiteta formada em dezembro de 2019 com o TFG (trabalho final de graduação) de Cenografia, onde desenvolvi uma proposta para a tour de “MAP OF THE SOUL: PERSONA”. Na minha faculdade, os trabalhos finais são elaborados a partir da construção do repertório com pesquisas e análises de projetos, para somente depois ser realizado um produto focado no que você quer criar que, no meu caso, foi a construção de cenário de palco.
Escolhi apresentar hoje uma análise cenográfica de “IDOL”, com alguns comentários e dicas sobre a minha visão do assunto explicando sobre o processo criativo.
Quero mostrar o olhar crítico que deve ser desenvolvido quando se realiza trabalhos e pesquisas, mostrar o quanto sempre devemos nos manter antenados às informações que nos são dadas de mão beijada pela Big Hit Music, e as que não são, como os créditos dos MVs! Se existe uma área na qual você quer atuar, é necessário procurar as pessoas que criam e produzem conteúdo sobre esse assunto, pois são elas que te interessam.
Levando isso em consideração, acredito que já se deu conta de que a Big Hit Music passou a dar os créditos para as pessoas que estão envolvidas na produção dos music videos. Se você rolar um pouquinho para baixo na descrição do vídeo no YouTube, pode se deparar com a ficha técnica de todos os profissionais que participaram da realização do projeto:
Ou seja, entendemos que os responsáveis pela execução do MV são todos que estão na lista abaixo, mas como saber quais profissionais devemos pesquisar sobre Cenografia ou outras áreas? Bom, é nesse ponto que eu entro com um pouco da minha experiência acadêmica: procurem todos! Vocês já têm os nomes, certo? Agora é hora de ir até cada um deles e entender melhor sobre o trabalho direcionado:
- Diretor: YongSeok Choi (Lumpens);
- Diretores assistentes: Guzza, MinJe Jeong, HyeJeong Park (Lumpens);
- Diretor de fotografia: HyunWoo Nam (GDW);
- Gaffer (responsável pela iluminação): HyunSuk Song (Real Lighting);
- Diretores de Arte: JinSil Park, Bona Kim (MU:E);
- Equipe de Arte: HyunSeung Lee, YeMin Ahn (MU:E);
- Gerente de Projeto: SukKi Song;
- Key Scenic artist: Yeongjun Hong, KwangHyun Lim, SangHyeok Seo.
- Show Light : SungKeun Ma (A&T Light)
- Lift Operating : Jong Kang
Ao fazer essa pesquisa, cheguei nas Diretoras de Arte JinSil Park e Bona Kim, que passaram a se tornar inspirações pra mim, elas trabalham para uma empresa terceirizada da Big Hit Music. Mas o que são estas empresas terceirizadas?
Geralmente, essas empresas são especializadas em uma área de atuação, e a MU:E Artwork é especializada em Cenografia! Ela não realiza somente projetos para a Big Hit Music, como também para vários outros grupos de K-pop.
Com isso, começaremos a falar mais sobre o processo de construção de cenários e a história que eles podem contar de forma independente. Algumas etapas necessárias são seguidas para a realização desses projetos como o desenvolvimento de um storyboard, que consiste em definir todas as cenas que terão no videoclipe a partir do roteiro do mesmo. A preocupação com o movimento de câmera e os enquadramentos influenciam no desenvolvimento dos cenários que serão criados. Por isso, uma decupagem é realizada para elencar todos os itens a serem utilizados na obra, de cena a cena, como objetos, figurinos, cenários e todos os elementos que irão compor o MV.
Com a decupagem em mãos, o cenógrafo sabe qual a finalidade do cenário a ser desenvolvido, em que contexto está inserido, assim como a mensagem que deve ser passada através do projeto de cenografia. Agora o papel principal é adaptar a linguagem, reproduzindo o que lhe é pedido, dimensionando os projetos, pensando em seus enquadramentos e quais são os tipos de esforços que serão solicitados nas estruturas criadas para que sejam seguras. Elencar as cores e os materiais adequados são de extrema importância, pois a qualidade do material e a eficiência com que é utilizado permite obter o resultado pretendido.
Os cenários de IDOL foram levantados dentro de um set de filmagem que tem a finalidade específica de receber filmagens de MVs. É necessário ter em mente que os cenários foram criados fisicamente, porém também utilizam de computação gráfica (chroma key) para complementá-los, conforme podemos reparar em várias partes do “[EPISODE] BTS (방탄소년단) ‘IDOL’ MV Shooting Sketch”:
A Big Hit Music sempre posta os vídeos de filmagem (Shooting Sketch ou os Behind the Scene), onde conseguimos captar muitas informações, até então, não percebidas quando se assiste somente os vídeos finalizados. Esses vídeos complementares nos ajudam a entender um pouco da mágica por trás de tudo e que, na realidade, é um trabalho muito bem feito por uma equipe de profissionais competentes.
E é sobre isso que quero falar: quando você começa a entender sobre a construção de algo que gosta e passa a explorar como fazer isso, é possível entender sobre as tecnologias e linguagens ali utilizadas. Vamos analisar agora um pouco da narrativa que eu compreendi, na qual foi desenvolvida a partir da cenografia, e como usei essa análise de base para desenvolver o meu processo criativo.
É importante ressaltar que essa análise é apenas uma interpretação, embasada em conceitos arquitetônicos visuais e cenográficos associados ao contexto da música. Não significa que seja uma verdade absoluta, assim como não é propriamente o que o artista desejou passar através da letra da mesma.
As formas arquitetônicas nesse MV são exploradas a partir de características específicas de cada parte do mundo. Por exemplo, nesse cenário é possível reparar a presença de arcos e, apesar desses elementos estarem presentes em muitas obras arquitetônicas pelo mundo, neste caso em específico podem representar os comumente usados na arquitetura Hindu-Islâmica.
Assim como existem também 14 portas azuis espalhadas por todo o cenário — que podem muito bem passar despercebidas, mas estão ali propositalmente — é possível deduzir a representação dos 14 estados independentes da Oceania. Afinal, possuem a cor azul justamente pelo fato de azul remeter a água, mar e oceano, criando assim uma analogia de forma mais sutil.
Contar essas histórias paralelas pelas equipes que trabalham com o BTS se tornou cada vez mais comum, todos os MVs tem diversas linguagens que falam por si só.
Esse mesmo cenário dos arcos possui duas iluminações completamente diferentes: uma que cria o aspecto diurno e outra que cria o aspecto noturno. É possível notar a qualidade das cores escolhidas para compor e criar a sensação de noite, se mantendo com as cores “quentes”, como o amarelo e o alaranjado. E se você reparar, existe um terceiro andar adicionado digitalmente com o BTS dançando e usando as roupas com estampas africanas, aparecendo em segundo plano.
Outro cenário que eu particularmente sou apaixonada é o “Interno” com um sofá e muitas cores, intervenções essas que me remeteram muito as construções Bollywoodianas que contém: cores vivas, tecidos estampados, muitos adornos em cena como os tapetes e sofás felpudos, tecidos holográficos com várias texturas diferentes, resultando em muita informação dentro de um pequeno espaço.
Já o cenário a seguir contém referências ao continente Africano, como o figurino confeccionado com tecidos típicos da cultura (conhecidos como ankara), o plano de fundo feito em computação gráfica com o sol poente somado a paleta de cores quentes e a girafa, são todos aspectos pertencentes à Savana Africana. A própria cena em si é uma nítida referência a uma famosa obra denominada “Scramble for Africa” do artista Yinka Shonibare, que foi traduzida para a linguagem visual e incorporada ao MV.
Através do enquadramento de câmera, elementos que se encontram em cena e do figurino, foi possível criar uma referência muito fiel à obra original.
O globo terrestre no MV representa o mapa, já o navio retrata a rosa dos ventos que estão pintados na mesa. Sendo assim, não ficariam visíveis devido ao ângulo de câmera que é utilizado no vídeo, portanto foi necessário repensar a forma de representação desses elementos para que pudessem ficar mais nítidos ao público, dando sentido ao music video.
Contudo, as cenas a seguir ocorrem no mesmo chroma key do cenário inicial. O Suga está andando sobre a mesa fazendo seu rap, enquanto o fundo recebe algumas variações feitas com computação gráfica — fundo este que antes tinha apenas tons quentes do pôr-do-sol na Savana Africana —, agora apresentam cores vibrantes e psicodélicas que mudam em uma fração de segundos entre os cortes de cena. As variações se alteram tão rapidamente, que quase não são perceptíveis ao assistir o vídeo, você apenas sente a sensação visual de que tem muita informação acontecendo.
O frame final dessa sequência de cenas ganha novamente tons quentes junto da floresta, na qual antes estava sendo apresentada em tons psicodélicos. Essa junção de cor com a mudança brusca de fundos está diretamente atrelada a parte do rap do Suga e, com isso, podemos entender que essa variação “caótica” acontece de forma proposital para “combinar” com a velocidade ao qual o rap é cantado, estabelecendo essa conversa entre produção visual e musical.
Outra estrutura em especial desenvolvida no clipe, que traz muito sobre o BTS, é o hanok: são casas típicas da Coreia do Sul, presentes em vilarejos, que foram usadas para representar a Coreia e o grupo em si.
Pode-se notar que as cenas capturadas no MV, que contém o hanok como elemento principal, tiveram uma versão mais simples da sua estrutura desenvolvida pintada em amarelo. Com o auxílio de computação gráfica, as paisagens do fundo se complementaram ao cenário físico criado dentro de estúdio, mudando diversas vezes. A maioria dos cenários vistos nessa análise mesclam o cenário físico — desenvolvido dentro de espaços com a construção presencial — ao cenário virtual, para a obtenção de melhores resultados que, quando combinados, atendem ou superam as expectativas. As roupas que são utilizadas nas cenas que contém o hanok também são vestimentas típicas da Coreia do Sul, conhecidas como durumagi, nas quais representam o amadurecimento.
Deste modo, através de uma linguagem mais simples, o MV trouxe um pouco de várias culturas e, entendendo sobre o contexto no qual a música está inserida, ela reflete um pouco sobre todos os cantos do mundo que foram alcançados pelo BTS com o seu trabalho. Assim, podemos identificar as “características arquitetônicas” exploradas em diversos cenários.
Com toda essa análise realizada, é possível entender que a forma com a qual a cenografia é explorada combina a criação de cenários físicos que são pensados com: materiais, cores e tecnologia da construção sempre muito bem escolhidos, juntamente com os complementos criados através da computação gráfica com o auxílio do chroma key, permitindo a realização de cenários com alta complexidade e rápida execução.
“Já a definição do estilo do cenário se deve: à disposição dos elementos arquitetônicos e cenográficos (fundo neutro, desenho, fotografia, logotipo, mobiliário, etc.); à escolha de cores (tons quentes e frios, harmonia e contraste, predominância de cores, etc.); a aplicação das luzes (disposição, direção, valores cromáticos, etc.); e as características das superfícies (materiais utilizados, relação com fontes luminosas, texturas, etc.).”
(CASETTI e CHIO apud CARDOSO, 2002, p.42).
Com tudo isso explorado em um único MV, precisei realizar mais algumas análises para estabelecer uma melhor relação de entendimento quanto a tecnologia dos materiais utilizados em cenários (nem todas as análises foram do BTS). Somente assim, pude entender que cenografia de music video, muitas vezes, consiste em projetar espaços efêmeros destinados a existir apenas naquele momento, sendo necessário o emprego dos materiais leves, que ocorram de forma rápida e sejam de baixo custo.
Depois de muito assistir e acompanhar o trabalho das diretoras de arte que sempre estão inseridas na criação desses cenários, aprendi que no trabalho delas, majoritariamente, grandes estruturas são elaboradas com coisas leves como: canos de PVC, tapumes e MDF, dentre outros materiais de baixo custo. Essa forma de analisar permitiu desenvolver a minha metodologia de construir e pensar em cenários, afinal, pude entender mais sobre a construção e a narrativa na qual eu gostaria que meus cenários do TFG tivessem.
Estabelecendo esse processo criativo, passei para parte de projeto do meu TFG, que consiste em projetar espaços e criar a narrativa por trás deles, percebendo o que acontecia nos clipes musicais do BTS. Desenvolvi 2 narrativas distintas, sendo uma delas adaptar um MV para a tour com a música “Boy With Luv”, na qual separei em três atos de música e projetei os elementos de palco:
E a outra narrativa consistiu em construir um palco do zero que contasse uma história por trás dos cenários. A música escolhida foi “Mikrokosmos” e o conceito de arte consistia nas 7 plataformas individuais que representam o BTS, mantendo sua individualidade ao mesmo tempo que se identificam como um grupo. Sendo assim, significa que são 7 microuniversos que estão traçando juntos seu propósito em comum. Para todos os cenários, desenvolvi um projeto arquitetônico de execução (como seria montado) junto ao conceito de arte, que é como eu imagino pronto. Alguns cenários como os de “Boy With Luv”, são tratados como objeto de palco (não são elementos permanentes), e outros cenários como “Mikrokosmos” são integrados ao projeto de palco (são elementos permanentes), uma vez que as plataformas são montadas fixas ao projeto, fazendo parte da estrutura de palco geral.
Com tudo isso, espero que vocês entendam que, em um processo criativo de monografia, pesquisa e afins, são essas análises que, com o tempo, te darão propriedade de criar e elaborar temas e/ou projetos sobre certos assuntos. Se você gosta de um tema, aprofunde-se nele, encontre referências na área, peça informações quando possível, sempre busque ter um olhar por trás de algo óbvio, crie uma visão crítica ao mesmo tempo que criativa e não tenha medo de fazer.
Espero que de alguma forma, esse longo texto, te ajude a entender melhor o que pude realizar pesquisando por trás das entrelinhas. Que você tenha gostado dessa leitura e aprendido um pouco mais sobre a importância de saber como procurar. Até a próxima!
REFERÊNCIAS
BTS (방탄소년단) ‘IDOL’ Official MV. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pBuZEGYXA6E
[EPISODE] BTS (방탄소년단) ‘IDOL’ MV Shooting Sketch. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=boiWgfpYYrk&t=83s
Yinka Shonibare CBE (RA). Disponível em: https://art21.org/gallery/yinka-shonibare-cbe-ra-scramble-for-africa-2003/
South Korea: What is a hanok?. Disponível em: https://www.nationalgeographic.co.uk/travel/2018/10/south-korea-what-hanok
CARDOSO, João Batista. O Cenário Virtual Tridimensional no Espaço Televisivo. 2002. Dissertação (Mestrado – Área de Comunicação e Semiótica) – PUC, São Paulo, 2002.