De monstros a Peter Pan: Uma análise da narrativa visual em Slow Dancing

Escrito por: Luiza S. G. Ley

Revisado por: Bianca Ribeiro e Ana Karolyne O. Monteiro

FIGURA 1: Recorte de uma cena MV de Slow Dancing, onde nas águas azuis escuras surge uma imagem azul clara, que aparenta ser duas pessoas dançando. Fonte: Youtube.

No terceiro music video de uma sequência de cinco de seu primeiro álbum solo, V não poupou o uso de recursos na narração de uma história ao longo de “Layover”¹. Em “Slow Dancing”, nós o acompanhamos em uma viagem à praia leve e tranquila com um grupo de amigos, conforme a melodia e a letra da música sugerem. Entretanto, ao analisarmos mais a fundo os elementos visuais presentes na obra percebe-se maior complexidade. 

Ao assistirmos o vídeo, percebemos certos elementos visuais que remetem a uma obra literária específica, que já foi mencionada em conexão ao BU. Componentes como o navio, a presença dos amigos que não são o que aparentam ser; medo/receio da solidão; a efemeridade da juventude; fuga da realidade e construção de um próprio mundo podem ser relacionados a célebre obra de J. M Barrie, intitulada Peter Pan.

Antes de se tornar um livro infanto-juvenil e filme de sucesso da Disney (tanto a animação em 1953, quanto o live action  em 2003), Peter Pan começou como uma peça de teatro escrita pelo escocês James Barrie em 1904, que na época tinha o título “Peter Pan ou O menino que não queria crescer”. Foi apenas no ano de 1911 que o autor publicou um livro em prosa intitulado “Peter e Wendy”, que mais tarde foi renomeado para  “Peter Pan”. 

FIGURA 2: Encarte da peça original de Peter Pan ou o garoto que não queria crescer. 

No que tange ao nome do personagem, Pan, ou Pã, em português, nos remete ao deus dos bosques e da natureza na mitologia grega, que era temido por aqueles que precisavam se aventurar nos bosques à noite, — curiosamente, a palavra “pânico” é derivada de “Pã” —  associado ao paganismo (por viver na floresta) e cercado por certa magia, se distanciando do padrão cristão das cidades por estar inclinado, de certa forma, a um culto pela liberdade.

Uma das características marcantes da personalidade de Peter Pan é a repulsa aos adultos e o medo de crescer, ter que lidar com responsabilidades, e não mais aproveitar a vida e se divertir como uma criança. A passagem do tempo, o amadurecer ou o envelhecer se apresentam como antagonistas na narrativa. Isto é comprovado pelo fato de que o maior medo do Capitão Gancho, inimigo de Peter Pan, é um crocodilo que engoliu um relógio e o persegue pela ilha com seu incessante tique-taque, uma constante lembrança de que o tempo passa e ele permanece envelhecendo. Para os Armys, o conceito de crescer, o curso do tempo, principalmente da adolescência para a vida adulta, é um tema recorrente no universo criado pelo Bangtan, bem como acompanhamos ao longo da “HYYH Era” ², por exemplo.

Relacionando Pan ao V em “Slow Dancing”, podemos interpretar que V é o principal na narrativa, até mesmo líder do grupo de amigos. Em umas das primeiras cenas, onde todos encontram-se dentro de um veículo a caminho da praia, um deles usa uma câmera instantânea para registrar o momento, e a fotografia revelada mostra apenas a face de Taehyung no lugar dos rostos das outras pessoas, como pode ser visto nas imagens abaixo. Mudando de cena, vemos o personagem de V acompanhado de seu fiel cachorrinho Yeontan em um ambiente com diversos aparatos tecnológicos, nos levando a entender que aquele mundo foi criado e é controlado por ele. Seguindo essa lógica, as pessoas que pareciam ser seus amigos são na realidade frutos de sua imaginação, revelando o sentimento solitário que exala da personagem.

FIGURA 3: Um dos amigos de V tira fotos do grupo. Fonte: Youtube.

FIGURA 4: Na fotografia revelada, todas as pessoas aparecem com a face de V. Fonte: Youtube.

O uso da imaginação para fugir de uma realidade difícil ou insatisfatória pode ser conectado ao mundo construído por Barrie. A importância de acreditar é determinante para que ações ocorram. Por exemplo, você deve ter confiança e acreditar que pode voar, mesmo com auxílio do pozinho mágico das fadas. 

Além disso, como dito no início, pode-se identificar o personagem de V como o principal, uma analogia a Peter cercado de seus Meninos Perdidos, enquanto o outro está acompanhado de seus amigos. Em adição, podemos mencionar a presença do navio com suas enormes velas e do ambiente praia/ ilha também que envolvem ambas narrativas, o primeiro representando não apenas um meio de transporte mas uma “passagem” entre realidade e fantasia.

FIGURA 5: Detalhe do “laboratório” em que V supervisiona as cenas que ocorrem na história. Fonte: Youtube.

FIGURA 6: Tela com a projeção da embarcação presente no MV, e mais a frente a silhueta de V e seu cachorrinho. Fonte: Youtube.

FIGURA 7: Ao anoitecer, V e seus colegas passeiam em um barco à vela. Fonte: Youtube.

Ainda em relação à ambientação da história, na fabulosa Terra do Nunca, embora o autor detalhe minuciosamente a aparência da ilha, em seguida afirma que:

“É claro que as terras do nunca variam muito. A de João, por exemplo, tinha uma lagoa com flamingos voando em cima, nos quais ele atirava. Já a de Miguel, que era muito pequeno, tinha um flamingo com lagoas voando em cima.”

– J. M. Barrie

Da mesma forma que as crianças criam suas próprias ilhas, V recorre à tecnologia para criar seu próprio mundo e o moldar de acordo com suas vontades, suprindo o que quer que seja que falte na vida real. Dessa forma, entende-se que cada um imagina a sua própria Terra do Nunca, de acordo com seus interesses pessoais e desejos: é a representação de um local no qual sua imaginação é estimulada, onde a juventude é aproveitada, e mais do que isso, ela é celebrada. Em sua obra, Barrie afirma que: 

“Nessas praias mágicas as crianças sempre irão ancorar seus barquinhos. Nós também já estivemos lá; ainda podemos ouvir o barulho das ondas, mas nunca mais vamos desembarcar.” 

J.M Barrie

“SENTINDO QUE PETER ESTAVA VOLTANDO, a Terra do Nunca ganhou vida mais uma vez (…) a ausência dele, a ilha em geral fica tranquila. As fadas dormem uma hora a mais de manhã, as feras cuidam de seus filhotes (…) Mas, com a vinda de Peter, que detesta a preguiça, eles todos se animam de novo: se você encostar o ouvido no chão agora, vai escutar a ilha inteira fervilhando de vida.” 

J. M. Barrie

                        

 FIGURA 8: Terra do Nunca, na animação de 1953. Fonte: Disney +.

FIGURA 9: Navegando, os personagens aproveitam à noite observando o céu e usando coroas. Fonte: Youtube.

FIGURA 10: Detalhes de uma espécie de maquete usada como modelo para a ambientação do vídeo. Fonte: Youtube.

Navegar pelas águas e alcançar uma terra onde seus desejos são atendidos também faz parte da narrativa de Onde vivem os Monstros, no original Where the Wild Things Are, inspirado no livro ilustrado homônimo, lançado no início dos anos 60 por Maurice Sendak. Sua adaptação cinematográfica do ano de 2009 pelo diretor Spike Jonze conta a história de Max, um menino com grande imaginação, que se sente só ao não receber a devida atenção de seus colegas, irmã mais velha e mãe.

Certa noite, frustrado porque sua família não participa de suas brincadeiras, o garoto se veste com um pijama de lobo, envolve-se em uma briga física com a mãe, inclusive a mordendo, e em seguida foge de casa. Max se embrenha em uma floresta escura onde anda até avistar um pequeno barco, no qual entra e flutua para longe. Aqui, percebemos o embaralhamento entre realidade e fantasia. 

  FIGURA 11: Max chegando em seu pequeno barco. Fonte: PrimeVideo.

Passados dois dias, em meio a turbulentas ondas, ele chega a uma ilha e logo encontra seus habitantes tendo uma discussão acalorada e decide participar também, ajudando Carol, um dos monstros, a destruir as casas de seus amigos. Ao ser encurralado e ameaçado de ser devorado, Max se defende e diz que tem poderes de outras terras e que não pode ser devorado, além de contar histórias sobre como tornou-se Rei e como todos viveram em paz depois disso. Ao ouvir tal relato, as criaturas indagam se ele é capaz de manter a tristeza longe. Max responde: “Eu tenho um escudo anti tristeza que não deixa a tristeza chegar. E é grande o bastante para todos nós.” E assim, ele é coroado Rei dos monstros. 

A seguir, Carol o leva a uma caverna onde mostra um modelo em miniatura de uma cidade de madeira com lindos detalhes. Ao atentar-se aos detalhes da construção, o menino comenta que gostaria de morar dentro dela, e Carol responde: “Ia ser um lugar onde só aconteceria o que você quisesse que acontecesse”. Com esse ideal, começam a construção de um grande forte quando Max encoraja que eles poderiam viver num lugar como aquele. 

Ao longo da trama, a tensão entre a família de monstros, principalmente entre Carol e KW, é palpável, uma vez que o primeiro é muito ciumento. Mais tarde, quando é descoberto que Max não é um rei de verdade, e sim um menino fantasiado de lobo que finge ser um rei, o personagem principal foge e encontra KW, que o instrui a entrar em sua boca a fim de poupá-lo da fúria de Carol. Nessa cena, o ato de ingerir/comer alguém pode ser entendido como metáfora para demonstrar tamanho amor e afeto que um personagem sente pelo outro: quando chega a hora de partir, ela declara: “Não vá. Eu devorarei você, eu amo você tanto”.

FIGURA 12: Max e KW, a “monstro-mãe” se despedem antes de o menino voltar para casa. Fonte: PrimeVideo.

É válido notar que KW pode ser compreendida como uma referência às mulheres da vida de Max, ou seja, sua mãe e sua irmã, enquanto o temperamental e explosivo Carol é Max, e os outros monstros representam sentimentos que vivem dentro do garoto. Quando KW finalmente o tira de dentro dela, é como um renascimento da criança, e Max declara: “Queria que vocês tivessem mãe. Vou pra casa.”

Além da temática da relação materna, seja na sua turbulência ou ausência, que também permeia a narrativa dos personagens no BU, o amadurecimento e a viagem ao interior de si próprio, de autodescobrimento³, se fazem presente nos três repertórios abordados. Ao sermos levados para sua ilha imaginária, V convida o espectador a dividir um pedacinho de sua mente e de seu coração conosco.

FIGURA 13: Max, usando de um cetro e coroa, celebra seu novo posto como Rei. Fonte: PrimeVideo.

 

FIGURA 14: Taehyung sorrindo com sua coroa ao velejar a noite com seus amigos. Fonte: Youtube.

FIGURA 15: Peter Pan colocando seu rosto através de uma moldura dourada em formato de coração. Fonte: Netflix.

REFERÊNCIAS:

  • LABELS, HYBE. V “Slow Dancing” Official MV. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eI0iTRS0Ha8>. Acesso em: 31 Oct. 2023. 
  • BARRIE, J. M. Peter Pan: edição comentada e ilustrada. [s.l.]: Editora Schwarcz – Companhia das Letras, 2012.
  • SENDAK, Maurice; JAHN, Heloisa. Onde vivem os monstros. [s.l.: s.n.], 2009. 
  • Onde vivem os Monstros. [s.l.]: Warner Bros., 2009. 
  • CONTRIBUTORS TO ULTIMATE POP CULTURE WIKI. Peter and Wendy. Fandom, Inc., Disponível em: <https://ultimatepopculture.fandom.com/wiki/Peter_and_Wendy>. Acesso em: 30 Nov. 2023. 
  • WarnerBros.com. Movies. Disponível em: <https://www.warnerbros.com/movies/where-wild-things-are>. Acesso em: 30 Nov. 2023. 
  • KIMTAEGIS. set me free. Tumblr. Disponível em: <https://kimtaegis.tumblr.com/post/727873428758085632/v-slow-dancing-2023>. Acesso em: 30 Nov. 2023. 
  • Disponível em: <https://www.estamosemobras.com.br/wp-content/uploads/2013/11/Max-where-the-wild-things-are-19468381-525-218.gif>. Acesso em: 30 Nov. 2023. 

¹Se quiser ler mais sobre o álbum de estreia do V, acesse nosso conteúdo em Layover: O mundo particular do V apresentado ao mundo! – B-Armys Acadêmicas. B-Armys Acadêmicas -. Disponível em: <https://barmysacademicas.com.br/cobertura/6693/>. Acesso em: 31 Oct. 2023.

²Sigla para “Hwa Yang Yeon Hwa”, traduzido como “O momento mais bonito da vida”, composta pelos álbuns HYYH Pt. 1, HYYH Pt.2 e HYYH: Young Forever”. Uma observação, o álbum japonês “Youth” também foi lançado nesse período.

³Caso não tenham lido, recomendamos fortemente a leitura da obra Demian, do autor Hermann Hesse, para maior entendimento do BU.

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