A História e Evolução dos Equipamentos e Movimentos de Câmera
Julio Cezar Neto [JCZИ]
Revisado por: Brunna Martins e Julyanna Dias
2ª Revisão: Ariely Medeiros e Mariana Castro
BTS (방탄소년단) ‘Save ME’ Official MV – Ficha Técnica:
Director: Woogie Kim
Producer: Rangdoo Kim, Marshall Bang
Director of Photography: HyunWoo Nam
Focus Puller: Siwoo Um
AD: Jaewon Ham, Jisun Lee
Gaffer: Jonghan Yoon
Edit: Yong Seok Choi
Shot on Red Epic Dragon
2016, GDW Films, GDWDOP
[Informações retiradas do perfil GDWDOP no Vimeo]
Olá, Visuais do BAA! Hoje vamos retomar com um texto em que vamos explorar os bastidores da produção do M/V de “Save ME”, do Bangtan. Buscaremos também conhecer um pouco mais sobre o lado histórico e a evolução dos movimentos de câmera, que hoje possibilitam realizar produções como a deste music video, que contam com uma grande performance de câmera e do grupo capturada em apenas uma única tomada.
O M/V foi publicado no canal oficial da Big Hit Entertainment, no dia 15/05/2016, sendo dirigido por Woogie Kim [@woogiekim] e com direção de fotografia de HyunWoo Nam. A produção, que possui uma duração de 3 minutos e 36 segundos, foi captada em apenas uma tomada, ou seja, não houveram cortes durante o music video. Dessa forma, a performance de câmera e grupo é elevada a um alto nível de concentração e entrosamento para que as duas partes estejam no momento certo da música, compondo o quadro como previamente estruturado no roteiro. Segundo Brown (2012, p. 210), “desde que Griffith libertou a câmera do seu ponto de vista singular e estacionário, movê-la tornou-se uma parte cada vez mais importante da arte visual da produção cinematográfica”.
Para chegarmos em um resultado como este, no qual há também uma performance por parte do operador de câmera — que explora diversos pontos da cena movimentando-a de forma precisa —, foi necessária muita evolução ao longo do tempo, na qual não somente a câmera evoluiu, mas também os equipamentos que possibilitam a produção dos movimentos, sendo desenvolvidos e cada vez mais aprimorados.
Inicialmente, nas primeiras produções visuais, a câmera permanecia estática [Vídeo – 03], contando apenas com os movimentos primários de cena. A transição de um enquadramento estático para tomadas em movimento pode ser percebida através da emancipação da câmera. Conforme Martin (2011, p. 31) “a emancipação da câmera, de fato, teve uma extrema importância na história do cinema. Seu nascimento enquanto arte data do dia em que os diretores tiveram a ideia de deslocar o aparelho de filmagem ao longo de uma mesma cena”. Deste modo, a partir da “independência” da câmera, é possível transitar entre diversos enquadramentos ao longo de uma mesma cena, delimitando o que o espectador deve ou não visualizar. Para Brown (2012, p. 210), “o uso mais básico da câmera é o seu posicionamento. Essa é uma decisão-chave na narrativa. Mais do que apenas escolher ‘o local que parece bom’, ela determina o que o público vê e de qual perspectiva ele observa a ação”.
Entre os diversos movimentos físicos de câmera que foram apresentados em nosso texto de análise do M/V de “Boy With Luv”, existe o travelling, que consiste no deslocamento da câmera até o assunto, podendo variar entre in, out, up, down e lateral. Tendo seu surgimento datado em 1896, de acordo com Martin (2005, p.38), […] o travelling fora inventado espontaneamente por um operador de Lumière ao colocar a câmara numa gôndola em Veneza.
A capacidade de mover a câmera foi aprimorada com o passar dos anos e Brown (2012) diz que, a grua — sistema de guindaste, em que a câmera é instalada em uma extremidade e na outra são inseridos pesos que servem para equilibrá-la —passou a ser utilizada na década de 1920. Há quem diga que a primeira vez que este equipamento foi utilizado data de 1916, no filme Intolerance: Love’s Struggle Through the Ages de D. W. Griffith (1916).
A grua é um equipamento muito utilizado nos M/Vs de K-Pop, pois possui um grande alcance tanto horizontal quanto vertical e, quando montada sobre trilhos, pode ser somada a grandes movimentos de aproximação e afastamento [travelling]. Além dos movimentos naturais que uma grua executa, pode-se também realizar a interação com outros equipamentos, como a cabeça remota, onde os operadores podem controlar à distância os movimentos como panorâmica horizontal, panorâmica vertical [tilt], roll e também movimentos ópticos como o zoom, permitindo assim, alternar ou também somá-los em uma mesma tomada, criando performances audaciosas. Jullier e Marie (2009, p. 35) mencionam, na década de 1970, “uma grua leve montada sobre um carrinho, carregando na extremidade de um braço telescópico uma câmera sobre um eixo móvel, tudo telecomandado”, sendo essa uma configuração de equipamentos que se assemelha ao que vemos hoje em dia em diversos behind the scenes dos music videos.
Acoplar a câmera em carros [Vídeo 07] também é uma ferramenta bastante interessante para tomadas em velocidades altas, cenas de ação, entre outros estilos. Conforme Brown (2012, p.210), “filmagens a partir de veículos em movimento eram realizadas desde os mais antigos filmes mudos, especialmente com os comediantes do cinema mudo, que não hesitavam em colocar uma câmera em um carro ou em trem”. Aqui no Brasil, a empresa Take-X é uma das mais conhecidas no mercado quando falamos em camera car.
No [Vídeo 08], é possível visualizar que o operador realiza movimentos rápidos em seu dispositivo e a cabeça remota, onde a câmera está acoplada, responde em tempo real e também na mesma intensidade. Após visualizar este exemplo, podemos concluir que este equipamento tem a capacidade de reagir com sincronia aos movimentos de uma coreografia.
Outro equipamento que hoje em dia é muito utilizado para a execução de movimentos de câmera é o steadicam [estabilizador]. Segundo Brown (2012, p. 210), “após a introdução da grua, pouco mudou em relação à maneira de se mover a câmera até a invenção da Steadicam por Garrett Brown”. Uma das primeiras vezes que este equipamento foi utilizado aconteceu no filme O Iluminado de Stanley Kubrick, em que podemos observar a câmera aparentemente flutuando enquanto movimentava-se pelos corredores seguindo o personagem.
Com o passar dos anos, as ferramentas de estabilização de imagens foram evoluindo e nos dias atuais existem diversas empresas no mercado, como as conhecidas Dji e a Zhiyun Tech, oferecendo opções de estabilizadores eletrônicos para câmeras, que contam com motores que facilitam o balanceamento na hora do uso e também permitem que o operador de câmera, ao realizar um movimento de aproximação ou afastamento, controle os demais movimentos como panorâmica horizontal, vertical [tilt], roll e por vezes também a distância focal e o próprio foco, a partir de controladores instalados no corpo do próprio equipamento. Portanto, a variedade de estabilizadores oferecida hoje no mercado, sendo alguns modelos mais portáteis que o tradicional steadicam, possibilita a utilização desta ferramenta também em produções menores, tanto em espaço físico como também em orçamento.
Após conhecermos um pouco da história de alguns movimentos de câmera e de seus equipamentos, chegamos ao ponto onde vamos começar a analisar um pouco mais profundamente o M/V de “Save ME”. Nesta produção, a câmera foi montada em um estabilizador, para que os movimentos pudessem ser produzidos de forma fluida ao longo de toda a duração do music video, tornando praticamente impossível analisá-los de forma precisa, pois os pontos iniciais e finais de cada movimento não ficam tão aparentes.
O M/V inicia com a câmera voltada para o chão e logo em seguida é produzida uma panorâmica vertical [tilt], revelando o Jimin ao centro do quadro. Nesta interação dos movimentos, visualizamos a chamada “trajetória”, descrita por Martin (2011) como a interação de um travelling com uma panorâmica.
Porém, logo após a saída de Jimin e a entrada de Jung Kook no quadro, podemos visualizar que a câmera passa a seguir o assunto, adotando um ângulo contra-plongèe, onde o equipamento é posicionado de baixo para cima. É possível perceber que, até então, a movimentação da câmera parece seguir a fluidez e intensidade dos movimentos primários da cena, ou seja, da performance dos integrantes do grupo.
No entanto, quando Jung Kook realiza um movimento mais intenso da coreografia, podemos constatar que um movimento terciário de cena, ou seja, uma animação realizada na pós-produção, por meio de key-frames, se soma aos movimentos que já foram realizados na captação e os potencializa ainda mais, produzindo uma sensação de que o movimento da coreografia fora intenso o suficiente para mover o quadro.
Com a independência da câmera em cena, o operador pode percorrer por todos os espaços, acompanhando os integrantes, delimitando o que nós, espectadores, vemos em quadro. Mesmo que não haja cortes durante o M/V, o operador de câmera utiliza-se da sua mobilidade em cena para recortar o assunto, por esse motivo é que podemos visualizar diferentes enquadramentos durante o music video.
Passando para o refrão, já podemos constatar que a câmera contempla todo o grupo em seu enquadramento, assim valorizando a performance como um todo. Outro interessante recurso visual utilizado nesse videoclipe é a interação entre travelling e zoom em direções opostas. Conforme Brown (2012, p. 214), “essa técnica foi usada muito eficientemente em Tubarão, quando Roy Scheider, interpretando o xerife, está sentado na praia e ouve pela primeira vez alguém dizer ‘tubarão’”. Cena que se tornou um clássico do cinema mundial. Para produzir este efeito, é necessário que o travelling seja executado no sentido contrário do zoom, ou seja, se a câmera se aproxima com um travelling in, é preciso reproduzir um zoom out, ou vice-versa.
Em outros momentos, o zoom in é utilizado para definir melhor para o público qual integrante está com a performance principal no momento, aproximando-nos dele. Podemos visualizar isso logo após o refrão, quando o grupo está enquadrado em um plano conjunto, em que todos estão em quadro e SUGA se desloca até a frente dos demais integrantes, e um zoom in reforça nosso contato visual com ele.
Logo após a performance de SUGA, no momento em que j-hope inicia a sua parte como principal, a coreografia produz um movimento em que os integrantes se inclinam e a câmera tende a acompanhar essa inclinação a partir de um roll, também conhecido por “ângulo holandês”, que inclina a câmera para fora de seu plano horizontal (BROWN, 2012).
O fato deste M/V ter sido captado em apenas uma tomada se torna um desafio a mais para a execução dos movimentos por parte do operador de câmera. Em determinados momentos, podemos observar que o deslocamento da câmera e a utilização de recursos como o zoom in e out aplicados na pós-produção estão ligados diretamente com a alteração da formação do grupo, pois focando em determinados integrantes a partir de um enquadramento mais fechado e também com realces de um zoom in, os demais integrantes podem se posicionar para as próximas partes da performance. Sendo assim, os movimentos de câmera desse M/V, além de existirem por um fator artístico, também contribuem para a organização da composição do quadro.
Outro momento que deixa bastante evidente o trabalho em equipe e o entrosamento de todos é quando o operador de câmera no segundo refrão se desloca entre os integrantes durante a performance do grupo, demonstrando que os posicionamentos, tanto dos artistas quanto do operador de câmera, foram planejados e ensaiados para a produção deste music video, demonstrando uma grande sincronia entre as partes.
Mesmo que o M/V de “Save ME”, quando comparado a outro music video do próprio BTS, possa parecer simples, conhecer a história dos movimentos e também um pouco sobre as ferramentas e as evoluções destas — que possibilitaram a chamada por Martin (2005) como emancipação da câmera no início das obras visuais —, nos faz entender como foram trilhados os caminhos até chegarmos em resultados como este. Brown (2012, p. 210) destaca que “o próprio movimento da câmera deve ter um propósito”, e consideramos que o propósito maior dos movimentos de câmera que compõem os M/Vs de K-Pop é transmitir a energia, a pulsação da música, proporcionando a sensação de fazermos parte do grupo como se estivessemos performando juntamente com todos em cena.
Neste texto procuramos trazer um pouco mais da nossa visão sobre os movimentos de câmera e as suas interpretações, juntamente com a história, curiosidades, além de apresentar um pouco dos diferentes equipamentos e suas evoluções, pois não havia um music video melhor para isso do que “Save ME”. Em cada segundo dessa produção, presenciamos o que consideramos um dos pontos mais importantes dentro de toda a composição de um M/V e que deve ser cada vez mais estudado, analisado, explorado e também interpretado: os movimentos de câmera dos music videos de K-Pop.
Referências
- 10 UNIQUE Cinematic Gimbal Movements. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HGTEunB7XRA&t=2s
- Arrival of a Train at La Ciotat (The Lumière Brothers, 1895). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1dgLEDdFddk
- BISSO NETO, Júlio Cezar Ribeiro. Os Movimentos de Cena nos Videoclipes de K-Pop. 2019. 36f. Monografia (Graduação em Publicidade e Progaganda) – Universidade Franciscana, Santa Maria (RS): 2019. Disponível em: <https://lapecpp.files.wordpress.com/2021/09/julio-cezar-ribeiro-bisso-neto.pdf>. Acesso em: 28 de nov. 2019.
- BROWN, Blain. Cinematografia: Teoria e Prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2012.
- BTS (방탄소년단) ‘Save ME’ Official MV. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GZjt_sA2eso
- Epic Babylonia Crane Shots from Intolerance (1916) (HD). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cM5hVs2UB4s
- [EPISODE] BTS (방탄소년단) ‘불타오르네 (FIRE)’ MV Shooting. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DZalBQgECn4&t=76s
- [EPISODE] BTS (방탄소년단) ‘Save Me’ MV Shooting. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y_mEk99kDjI&t=275s
- Fastest Vertigo-shot: Jaws by Bill Butler (1975) HD. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MbeXzJDYxS0&feature=emb_title
- How the Steadicam changed movies. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vF4jPaFQNHo&t=137s
- JULLIER, Laurent; MARIE, Michel. Lendo as imagens do cinema. São Paulo: Editora Senac. São Paulo, 2009.
- MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 2011.
- MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005.
- The Shining – Tracking Shot. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0pIfyTXphgE
- Venice Travelling 1896. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_-8Q-0xkK8Q