Identidade Visual e Cianotipia de Indigo

Por: Catharina Maciel e Nathalia Mutz
Revisado por: Ariely Medeiros e Mariana Castro

Em 2022, o grupo sul-coreano BTS deu início a uma fase de expansão aos projetos pessoais de cada membro em diferentes áreas. Seguindo esta linha, após os trabalhos solos dos membros j-hope e Jin, no dia 02 de dezembro de 2022, RM estreou com seu primeiro álbum solo, “Indigo”. 

O rapper e líder do BTS, também conhecido como Kim Namjoon, “respira” arte das mais diversas formas. Seja consumindo livros, compondo, produzindo musicalmente, apreciando a natureza ou estudando e compartilhando artes visuais e plásticas, a arte está sempre presente nos trabalhos de RM, o que  não passou despercebido em “Indigo”. No álbum existe mistura e encontros, chegando  até mesmo a ter  uma homenagem do rapper ao seu artista favorito, o pintor Yun Hyun-keun, na primeira faixa musical do álbum e também em partes do conceito fotográfico, como na obra de arte na parede do cenário.

Imagem 1 – Indigo Photoshoot
Fonte: BigHit Music

“Indigo é uma das minhas cores favoritas e a cor que Yun usou em seus trabalhos anteriores (…) Yun passou por muitas dificuldades quando estava vivo (…) Para alguém que sofreu tanto, suas obras de arte e mensagens pareciam genuínas e teve uma ressonância mais profunda para mim.”

— RM, 2022 (Vogue)

Embora Yun tenha sido preso, torturado e tenha passado várias passagens pela prisão por defender o que acreditava ser certo, ele sustentou que “viver da maneira mais bela significa sobreviver depois de passar por extremo sofrimento e dificuldades (…) Eu nunca poderia imaginar como eles podiam pensar a arte naquela época – [através] das guerras, das lutas, da política. É por isso que tenho um grande respeito [por] especialmente ele. Ele nunca se curvou para as coisas ruins.”

— RM, 2022 (NME Magazine)

Além disso, “Indigo” é uma produção audiovisual de pop e hip-hop/rap, sincera, repleta de reflexões e sentimentos com músicas que representam RM. Como o próprio artista disse, o álbum é um arquivo de sua  vida, dos seus “vinte anos”, mais precisamente de 2019 a 2022. O trabalho representa uma transição para os seus trinta anos de idade, uma passagem de tempo dos últimos quatro anos de vida do artista. Já o título da obra se origina da cor índigo, um tom de azul próximo da casa do magenta, muito comum no tingimento natural do jeans.

“É uma extensão de ‘mono.’, de alguma forma. ‘mono.’ era sem cor, preto e branco. Então, aos poucos, comecei a acolher a cor, me tornar uma pessoa mais natural. Índigo, a cor do denim (jeans) e a cor dos pisos de madeira. Azul e marrom.”

— RM, 2022 (BANGTANTV)

Logo, sabendo dessas informações e da profunda conexão do músico com a arte, se cria uma curiosidade e expectativa acerca do visual do álbum. Sendo assim, é válido lembrar que uma identidade visual deve reunir todos esses sentimentos, significados, mensagens contidas nas músicas e conceitos, além de “traduzir” visualmente essas ideias, tornando-as tangível e acessível, ao mesmo tempo que busca transmitir em unidade todos os seus pontos de contato. Os profissionais envolvidos devem não só criar um projeto que toque o público, proporcionando uma experiência, como também estar conectado ao cliente, que aqui é o artista RM e a BIGHIT MUSIC. 

Para esse desafio, o estúdio sul-coreano Sparks Edition foi escolhido a dedo. Não somente por já terem colaborado no design do álbum “MAP OF THE SOUL: 7”, lançado em 2020 pelo BTS, ou pela sua experiência com criação de identidades e álbuns, mas também por trabalharem com pinturas e esculturas, o que, segundo A Ji-hye, uma das representantes do estúdio envolvidas no projeto, tem tudo a ver com RM.

“Lee Hyeri, meu contato para o projeto no departamento Brand Experience da  BIGHIT MUSIC, disse que eles nos procuraram para o design porque usamos meios como pintura e escultura quando trabalhamos em vez de apenas computação gráfica e que nosso estilo de arte seria uma boa opção para o álbum do RM. Mais importante ainda, seu interesse pela arte e nossos métodos de expressão que levam uma direção artística além da computação gráfica seriam uma combinação perfeita.”  

— A JI-HYE, 2023 (Weverse Magazine)

O estúdio ficou responsável por criar toda a identidade visual, trabalho com arte e design do álbum. Para auxiliar a transmitir esses significados e torná-los palpáveis, geralmente é feito o uso de alguns elementos gráficos como imagens, logo, tipografia, cores, dentre outras linguagens. 

Para representar a ideia de uma juventude em construção, com vestígios sendo deixados para trás, mostrar imperfeições e algumas incertezas, mas ainda assim ser natural e fluido, foi desenvolvido uma família tipográfica* com espessuras variadas, que brinca com alguns pedaços “faltando” em algumas versões, além de  utilizar um efeito de imagem borrada. Também é possível notar que a fonte possui características estéticas que comumente são usadas no design para impressões emocionais positivas e de conforto, como o emprego de contornos curvos e linhas orgânicas e fluidas presentes na técnica borrada, de manchas.

Esse método foi utilizado para o logotipo “Indigo” e suas animações tanto no digital, quanto em outras versões da família para alguns textos complementares, como a descrição do álbum, que remete a um guia de usuário.

O logotipo de Indigo deve parecer encharcado de tinta; não está em uma fonte bem digitada, mas sim como um diário amassado com tinta borrada” 

— A JI-HYE, 2023.
Imagem 2 – Logo e aplicação da família tipográfica nos demais textos
Fonte: Spark Edition
Imagem 3 – Variação da família tipográfica
Fonte: Spark Edition
Imagem 4 – Aplicação da família tipográfica
Fonte: Spark Edition

A identidade muito bem desenvolvida está presente também nos pontos de contato do álbum físico, em detalhes como no acabamento do material utilizado para alguns postcards, pôster e cards. O conceito de “disco desbotado como jeans velho”, que apareceu em materiais promocionais para o álbum e citado por Namjoon em live e entrevistas, está presente até mesmo em um card que acompanha uma das versões do álbum, a Book Edition, que imita a textura de jeans. 

Imagem 5 – Fabric card (cartão de tecido) 
Fonte: Weverse Shop

O restante da embalagem externa, em todas as versões, emprega um design limpo e simples, com palavras que remetem a um guia de usuário, como o próprio RM sugeriu, para ser usado pelas pessoas e fazendo parte do dia a dia delas. É um design minimalista, porém marcante, respeitando as vontades do artista e sabendo dar espaço para a obra falar por si. 

Imagem 6 – Álbum embalagem externa 
Fonte: Weverse Shop

Também fazendo parte da identidade, outro recurso utilizado para transmitir as diferentes emoções das dez faixas musicais e de forma figurativa, RM optou por representar a passagem do tempo com um processo artístico demorado, que depende da ação do sol e que exige paciência, chamado cianotipia. O efeito do processo químico no papel e a ação do tempo e do sol fazem com que o cianótipo possua um tom de azul. Esse processo natural se assemelha à ideia original do álbum, sobre a ação do sol e do tempo nos nossos jeans. Em conjunto com o rapper, o estúdio criou um total de 37 obras diferentes.

Imagem 7 – Cianótipos 1-9 
Fonte: BigHit Music
Imagem 8 – Cianótipo 10
Fonte: BigHit Music

Do que se trata a técnica e como surgiu?

Cianotipia (“ciano” é um tom de azul e “tipia” vem do grego de impressão, de marca impressa) é um processo de impressão feito com químicos (ferrocianeto de potássio e citrato férrico de amônio) em reação à luz ultravioleta e ao tempo, que resulta em um tom de azul. A técnica foi descoberta pelo cientista astrônomo John Herschel em 1842, utilizado pela botânica Anna Atkins para a criação do primeiro livro de impressões da história. O procedimento facilita a reprodução de imagens, se o uso de uma variedade de cores não for necessário, além de não ter um custo alto, podendo ser aplicado não só em papel, mas também no tecido, algumas madeiras e cerâmicas.

A facilidade da impressão torna a atividade uma boa alternativa para aulas de arte, com a supervisão de professores com domínio da técnica, se tornando, assim, um tipo de arte também participativa. RM aproveitou essa característica e convidou seus colegas de grupo SUGA e Jimin para auxiliarem na produção de alguns, que foram selecionados para compor o seu álbum físico.

Imagem 9 – RM’s Cyanotype Experience with SUGA and Jimin
Fonte: BANGTANTV
Imagem 10 – RM’s Cyanotype Experience with SUGA and Jimin
Fonte: BANGTANTV
Imagem 11 – RM’s Cyanotype Experience with SUGA and Jimin
Fonte: BANGTANTV

No final do vídeo, os três percebem que a técnica não depende apenas de nossas vontades para sair do jeito que temos em mente. Mesmo que queira o tom de azul próximo do índigo, dependendo do clima e da exposição à luz ultravioleta, as cores podem mudar, variando. Os três se mostram um tanto decepcionados ao descobrir que algumas vezes o cianótipo pode se tornar um tanto acinzentado, imprevisível como a vida.

“Indigo” como um todo é um projeto com aspecto minimalista, porém marcante, no qual design e artes se encontram, características comuns em trabalhos passados do grupo BTS. Esses elementos complementam e formam um projeto visual único e pessoal, sendo direcionado a partir das escolhas do artista, acrescentando e dando suporte à obra musical, sem se sobressair ao projeto principal, que é a música.

Referências

  • A. Ji-Hye. Development notes on RM’s solo album, Indigo – album design as a work of art. In: Weverse Magazine. [S. I], 19 jan. 2023. Disponível em: <https://magazine.weverse.io/article/view?ref=main&num=639&lang=en>. Acesso em: 10 de mar. 2023.
  • AMBROSE, Gavin; HARRIS, Paul. Fundamentos de Design Criativo; Tradução: Aline Evers. Porto Alegre. Bookman, 2012.

Glossário

  • Família tipográfica: um conjunto de fontes tipográficas com as mesmas características de estilo base, porém com variações de espessura, altura e outros detalhes; mais populares variações: light, regular, itálico, bold. É uma ótima ferramenta, pois oferece diferentes variações que, no entanto, funcionam de forma limpa e consistente, dando uniformidade a um projeto

Uma resposta para “Identidade Visual e Cianotipia de Indigo”

  1. Eu adoro esse albúm e tudo relacionado a ele.
    A cor, a homenagem ao artista Yun Hyun-keun e o fato de ser um registro dos últimos anos na faixa dos 20 do RM
    Azul é minha cor favorita, tenho 26 anos (chegando nos trinta hehe) e recentemente voltei a pintar com aquarela, então por esses aspectos me sinto ligada a esse album. Saber como sua estética foi pensada é muito interessante.
    Parabéns pelo texto e pesquisa 🙂

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